segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A BEM DA DEMOCRACIA



A Associação dos Amigos do Concelho do Marco de Canaveses vai ter a sua sede.

Durante quase duas décadas funcionou em escritórios de amigos. Não tínhamos remetente institucional e todas as iniciativas, desde publicação de textos, contactos com personalidades, elaboração de um jornal, etc. fazia-se à custa da militância pessoal e com remetente privado.

Foi o espírito de cidadania, a consciência dos deveres democráticos, o sentir a responsabilidade do vínculo que, como cidadãos, nos liga à comunidade e nos obriga a colocar exigências de justiça, liberdade e igualdade, que nos fez superar todos os obstáculos que encontrámos.

Fica, por isso, bem e ajusta-se à natureza da Associação dos Amigos do Concelho do Marco, que a Autarquia, através do seu Presidente, Manuel Moreira, propusesse para sua sede umas instalações, mesmo ao lado da sede do Núcleo dos Combatentes, no Jardim que tem o nome do Fundador do Concelho, Sr. Adriano da Picota, como os marcoenses sempre o conheceram.

Não poderíamos ficar melhor, nem poderia ser mais significativa a proposta do Senhor Presidente da Autarquia. Todos os marcoenses que gostam da sua Terra, sabem muito bem que isso, noutras épocas, seria totalmente impossível, a menos que a Associação deixasse de lutar contra a arbitrariedade e o caceteirismo e se tornasse num instrumento servil do poder que imperava no nosso Concelho.

Os objectivos da AACM só são políticos no sentido genuíno da palavra: compromisso com uma “cidade” humana (Polis) mais justa, mais fraterna e mais tolerante. Pois é no seio da comunidade política (e não isolado e independente dos outros) que o Homem desenvolve a virtude do viver de harmonia com os valores e se torna num homem justo e bom.

Já Aristóteles, no seu “Tratado Político”,  dizia: “Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, também aquele que não conhece a finalidade da política na promoção da dignidade humana e da felicidade entre os homens é o pior de todos”.

É neste sentido que entendemos a política e é, também, neste sentido que entendemos a democracia.

“Não há democracia sem cidadania”, foi sempre este o nosso lema.  Acreditamos que pelo confronto de ideias, a vontade subjectiva se submete à vontade geral, o argumento racional se sobrepõe ao poder do domínio pessoal.

Não entendemos a política como uma profissão exercida através dos partidos, mas como uma postura cívica, que emana da natureza humana, do direito de criar expectativas sobre a felicidade da nossa sociedade e o dever de lutar por elas. E foi esta uma das razões que nos levou a criar a Associação dos Amigos do Marco de Canaveses num dia 25 de Abril, há quase 20 anos (1998).

Além desta finalidade,  tem por objectivo promover debates, estudos, publicar textos, contribuir para a defesa do património ambiental, histórico e cultural do Concelho.

Muitas vezes, confundimos cultura com conhecimentos ou saberes, mas o conhecimento ou os saberes não fazem, por si, um homem culto: há eruditos que são ignorantes e há muitos tecnocratas que são incultos. A cultura não consiste em possuir muitos saberes ou conhecimentos, mas em saber utilizá-los. A cultura  é o que fica no espírito, quando todo o resto foi esquecido.

Na mitologia grega, as musas e deusas cultas eram filhas da Memória, mas elas distinguiam-se da sua mãe. Talvez, por isso, Marguerite Yourcenar considerasse o tempo (morada da memória) o grande escultor do espírito. A cultura permite ao homem construir uma visão critica de si, dos outros homens e do mundo. Mas precisa da memória como referência dessa construção.

Neste sentido, também pretendemos promover o reconhecimento do mérito, através de um prémio anual a quem se tenha destacado no Concelho por levar a cabo aquilo que, nas diferentes expressões da vida social, foi considerado excelente e, por isso, muito distanciado daquilo a que, por dever profissional ou outro, seria obrigado.

O reconhecimento do mérito é uma virtude social, é o que devemos àqueles que foram melhores do que nós. E para que o prémio não se banalize, desvalorizando o mérito que deve ser reconhecido, só o atribuiremos anualmente e a uma personalidade.

Os Corpos Sociais e, particularmente, a Direcção, estão felizes por esta promessa da Câmara e já só esperam assinar o protocolo que irá estabelecer a cedência das instalações para a sede da Associação dos Amigos do Marco.

Esperamos ganhar com isso um novo dinamismo, que mais sócios apareçam (a cota anual é apenas de dez euros)  e que tenhamos mais condições para desenvolver os objectivos consagrados nos  estatutos da Associação.

Vamos fazer da abertura da sede uma festa, não só dos sócios, mas de todos os amigos do nosso Concelho.

31 /10/ 2016

Pela AAMC

João Baptista Magalhães

(Presidente da Assembleia Geral da AAMC)
                                        Aqui será a sede da Associação dos Amigos do Marco

sábado, 22 de outubro de 2016

GENTE QUE FAZ UMA TERRA DECENTE (3)



ADRIANO JOSÉ DE CARVALHO E MELO

O Marco de Canaveses tem muita gente que fez da sua Terra uma terra decente. Basta conhecer a sua história, conhecer a postura  dos seus melhores filhos, para que nos entristeça ouvir falar do Marco de Canaveses como a terra do “mata e queima”, do Zé do Telhado ou, ainda, de algumas figuras grotescas.
Não é possível dar a conhecer todas as personalidades que nos honram como nossos conterrâneos. Mas é pena que não se faça! E não me refiro a Carmem Miranda que só se tornou notável, porque o seu pai a tirou do Marco e a levou, em tenra idade, para o Brasil. Se continuasse na terra onde nasceu (que nunca adoptou!) pertenceria hoje ao imenso número de gente desconhecida, a que ninguém  ligaria absolutamente nada.
Lá aonde estiver, a Carmem Miranda só pode agradecer aos brasileiros a notabilidade que granjeou e há-de rir-se dos marcoenses, quando se servem do seu nome para o colocar em ruas e museus e esquecem o abandono a que a votaram em menina. Podia ser uma autocrítica a relevância que lhe dão, mas parece uma festa semelhante à dos  cucos que põem os ovos nos ninhos dos outros para criarem os seus filhos.
Merecia muito mais relevância, por exemplo, José Monteiro da Rocha, Reitor da Universidade de Coimbra, criador do observatório astronómico e chefe da missão que teve como objectivo estabelecer os acordos de paz com as tropas napoleónicas. Nasceu e cresceu em Canaveses e nunca esqueceu a sua Terra. Ou, então, os criadores do Concelho, os Homens que estiveram na origem na Misericórdia do Marco, dos Bombeiros (e que nesta missão morreram) os que se distinguiram nas artes, na ciência, etc.
É este tipo de gente que me interessa! Nela poderemos configurar o sentido de ser marcoense, incapaz de renunciar à sua Terra, mas sempre empenhado em dignificá-la, sem esperar qualquer recompensa.
Precisamos de referências exemplares que estimulem a ligação à nossa Terra, façam a coesão social e cimentem os laços de confiança que promovam o gosto de ser marcoense, de investir no seu Concelho e sentir como seu sucesso, o sucesso da sua autarquia.
Aliás, não é  este sentimento que dá sentido à ideia de autarquia e de cidadania, “governo dos próprios pelos próprios”?!....
Não se constrói o espírito autárquico, sentindo-nos náufragos, numa ilha entregue a um só homem, deixando-nos à sorte dos nossos próprios recursos. Ou então, ficando como um bando de cucos, sempre à espera de ninhos onde possam colocar os seus ovos.
A  origem do concelho do Marco  não é muito longínqua. Surgiu em meados do séc. XIX. A sua criação deveu-se ao deputado da Nação, Adriano José de Carvalho e Mello, nascido no lugar da Picota, em Tuas, e por isso conhecido por sr. Adriano da Picota. E teve uma justificação forte para que a Assembleia e o Governo do reino aderissem á sua ideia.
Nessa altura, campeavam pelos diferentes comarcas grupos de pobres diabos, que, durante a noite, com armas de carregar pela boca, intimidavam viajantes para os roubar e assaltavam casas nobres para sacar o ouro e a prata que trocavam por poucas patacas nos receptores que, com isso, tal como hoje, ficavam mais ricos do que os que roubavam pela acção directa. Um desses chefes foi Zé do Telhado, um antigo combatente da pacificação de Africa galardoado com a medalha de Torre e Espada.
Abandonado pela pátria que serviu, fez aquilo que sabia fazer: comandar um pequeno grupo para defender o pão que faltava à sua família. Tornou-se, nessa matéria, um empreendedor, tão esmerado que até se dizia que “roubava aos ricos para dar aos pobres”. Se fosse hoje, e quisesse inverter a causa “roubar aos pobres para dar aos ricos”  poderia muito bem ter chegado a banqueiro.
Assaltou a Casa de Carrapatelo e matou um criado. Foi uma péssima referência para a Região. Ficando sem castigo,  manchava a própria dignidade do povo desta terra. Assim o percebeu o Sr. Adriano da Picota,  quando jurou que o prenderia.
Prendê-lo e à sua quadrilha, estivessem onde estivessem, obrigava a uma reforma administrativa que desenvencilhasse as autoridades dos empecilhos burocráticos. Não era permitido à polícia entrar numa comarca sem autorização do seu administrador. 
O deputado Adriano José de Carvalho e Mello não ficou pela retórica das boas intenções. Não separou o Zé do Telhado do seu grupo, como muitos costumam fazer, e para alargar o âmbito das investigações da sua polícia, propôs à Assembleia e ao Governo do reino que fosse unida a comarca de Soalhães à grande comarca de Benviver, que compreendia uma grande extensão, indo de Gouveia até S. Lourenço do Douro, tendo em Sande a sua sede.
Apresentou essa ideia na Assembleia e ao governo da  Coroa e lutou, sem o alardear que hoje é costume, para que  o concelho de Soalhães e de Benviver se tornassem numa única comarca, sugerindo  que o novo concelho se denominasse Marco de Canaveses.
Pelo Decreto de 31 de Março, em 1852 foi, então, criado o Concelho do Marco de Canaveses. No artº 1º estabelecia: “São reunidos num só concelho, os concelhos de Soalhães e de Benviver”.  E no artº 2º dizia-se:  “O novo concelho passa a ser denominado Marco de Canaveses” e os seus habitantes marcoenses (do Marco, escrito com “o”  não com “u”).
A esta distância, a reforma administrativa que o sr. Adriano da Picota promoveu levanta uma questão:  por que se lembrou Adriano José de Carvalho e Mello de denominar  Marco de Canaveses o novo concelho, se não há nas comarcas aglutinadas algo que deixe antever essa  designação?!...
Adriano José de Carvalho e Mello, para além de deputado, fora administrador do concelho de Soalhães, com Casa Municipal no “lugar do Marco”. Ali, antes de ser construída a casa municipal, havia um marco de pedra que limitava dois coutos que vieram a dar origem às freguesias de Fornos, S. Nicolau e Tuias. Situava-se na planura onde se levantou a Casa Municipal e, hoje, está o  edifício da Câmara Municipal.
Canaveses era uma Beetria; isto é, uma importante povoação rural que desde a alta Idade Média tinha o privilégio de escolher livremente os senhores que reunissem as melhores qualidade para defender o bem-estar do povo da localidade. Isso era a maior exigência duma povoação que tivesse  grande desenvolvimento económico e era o que lhe dava mais prestígio.
A toponímia Canaveses terá a ver com três circunstâncias: o lugar situado junto ao Rio Tâmega proporcionava a cultura do linho “cânave”. Os que o produziam eram os “canaveses”, como se dizia no português antigo. Por outro lado, por ali terá passado a estrada romana Tamacana-Via e os que ali habitavam “tamacanavienses” que se foi simplificando até canavienses e, logo depois, canaveses. Acresce, ainda, que nesse lugar também havia as “Aquae Tamacanae” conhecidas, hoje, por Caldas de Canaveses.
A simplificação fonética foi determinando que o local se fixasse em Canaveses e, como podemos inferir, com o grande prestígio que lhe vinha de ter sido uma Beetria, o sr. Adriano da Picota não teve dificuldades em convencer a Assembleia e o Governo da coroa de que o novo concelho fosse designado por  Marco (a que pertencia a  “Casa municipal”) de Canaveses, fixando a sua centralidade nesta região.
Com as condições criadas, a polícia que estava às ordens do administrador Adriano José de Carvalho e Mello foi prendendo os quadrilheiros, só escapando o Zé do Telhado. Entretanto, José de Carvalho e Mello deixou o cargo de primeiro administrador do concelho do Marco de Canaveses e foi ocupando outros cargos, como o de governador-civil de Bragança, de Braga e, por fim, Comissário da Polícia do Porto. Nunca esqueceu a sua promessa e com  estas novas competências a expensas suas (nessa altura, com o fontismo, Portugal entrou na bancarrota) mandou fardar, armar e preparar um corpo da polícia que apenas tinha como objectivo prender para ser levado à Justiça o Zé do Telhado. E conseguiu-o: descobriu-o na Ribeira do Porto, escondido debaixo de um lote de caixas de bolachas que, no barco “Oliveira” se preparava para levantar âncoras em direcção ao Brasil.
Não sabemos o que faria, hoje, o sr. Adriano da Picota, se os ladrões e seus cúmplices fossem os de colarinho branco!  Se procedesse como procedeu em relação ao Zé do Telhado, teríamos de concluir que não separava o chefe da quadrilha dos acompanhantes, os de colarinho branco dos maltrapilhos, e, por isso, sabia defender as virtudes da honra  e da dignidade que constituem o valor fundamental da democracia e da cidadania numa Terra de gente decente.
João Baptista Magalhães

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

GENTE DECENTE II


Quando ouvimos falar da maçonaria, muitos de nós torce o nariz. Associamos a maçonaria a gente não decente, que se entrega a grupos sigilosos na ambição de fazer, na sombra, carreira política, influenciar negócios, obter favores e subir na escala social.
Mas a maçonaria tem uma história que nada tem a ver com esse pântano. Não é preciso procurar nos primeiros tempos a sua relevância no progresso da humanidade. Basta ver as grandes catedrais inglesas, muitas obras de arte e conhecer a importância dos  conselhos dos astrólogos na vida económica, social e política da antiguidade. Nesse tempo, nenhuma guerra, nenhum negócio, nenhum casamento se fazia sem consultar um astrólogo.
Refiro-me, sobretudo, à maçonaria que se desenvolveu a partir da reforma de Lutero, que se inspirou na “Carta sobre a Tolerância” de Locke, no liberalismo inglês e ouviu o apelo de Kant: “Ousa pensar!”
Esta maçonaria, que, a partir do séc. XVII/XVIII, cresceu pela influência de personalidades inglesas, esteve sempre com o rosto a sangrar. Por ser contra o totalitarismo e o elitismo (aristocrático ou outro), por defenderem a causa da igualdade, fraternidade  e liberdade, por ser pelo progresso e contra o conservadorismo, muitos maçons morreram  nas fogueiras da Inquisição (só no tempo de D. João V foram 22 homens  e 11 mulheres); outros, foram fuzilados e ainda outros, foram esquecidos nos cárceres, obrigados a exilar-se ou a morrer na miséria.
Acusavam-nos de trair a pátria, querer impor o liberalismo e proclamar o ateímo, mas a maçonaria aceitava a religião natural e nunca se opôs à cristã. É certo que foi contra o clericalismo conservador por o considerar herdeiro do conservadorismo aristocrático, elitista e contra o progresso. Mas teve nas suas fileiras bispos, como D. António Barroso, bispo do Porto e D. António Alves Martins, bispo de Viseu,  que chegou a participar na revolução liberal do Porto e escapou à condenação à morte, graças á convenção de Évoramonte. E ainda há pouco anos, se realizou um congresso maçónico na Universidade Católica. Por alguma razão, S. João Evangelista é o protector do Grande Oriente Lusitano e o dia 27 de Dezembro, dia do  seu nascimento, o Dia da celebração maçónica.
A utopia do maçon,  como o conceito indica, é ser “pedreiro livre”- metáfora usada para significar “livre pensador”. Foi, por “ousarem pensar livremente”, não seguirem cegamente o “chefe” ou o “magíster dixit”, por serem contra o totalitarismo, o elitismo ou os que se julgam possuidores da verdade, que os maçons foram considerados desestabilizadores da “ordem reinante” e se tornaram num inimigo público a abater.
Foi isso que aconteceu ao grande médico e cientista, o maçon Miguel Augusto Bombarda, que, na véspera do 5 de Outubro,  foi assassinado às 11 horas, no seu gabinete do Hospital de Rilhafoles, em Lisboa, pelo tenente Aparício Rebelo dos Santos que confessou ter sido instigado a fazer o crime pelo clero que o acusava de não se subordinar aos dogmas da Igreja. Podíamos ainda falar dos que foram exilados ou presos durante o fascismo.
À maçonaria pertenceu gente de todas as classes e profissões: generais, homens da ciência, escritores, artistas, músicos, como Mozart (a Flauta Mágica é uma composição maçónica), engenheiros, como Gustavo Eiffel ou poetas, como Fernando Pessoa.
A doutrina maçónica genuína, a que está nos regulamentos do Grande Oriente Lusitano (recentemente apareceram outras maçonarias, p.ex, a regular, a do rito francês, etc)  orienta os seus membros pelo caminho que leva a felicidade aos seus semelhantes, a colocarem na solidariedade o sentimento de fraternidade e romperem com o egoísmo, considerado “pedra bruta” que é preciso desbastar.
”Sem virtude não se pode chegar à verdade” – foi sempre o lema maçónico, o que distingue  o verdadeiro maçon dos mixordeiros, dos que, em vez de servirem causas, se  servem das causas.
Deve-se à maçonaria as ideias liberais, a implantação da República e a luta contra o totalitarismo e contra todas as formas de aristocracismo, oligarquismo ou elitismo. A criação da Associação  Académica de Coimbra, em 1887, foi obra de maçons. O espírito das repúblicas (casas de estudantes que punham em comum a organização da casa) é maçónico e é muito natural que este espírito continuasse a ser uma força agregadora de muitos intelectuais em muitas cidades e vilas da província.
No Marco de Canaveses houve um Triângulo Maçónico (célula base) do qual fizeram parte, o Juiz Conselheiro (expulso da magistratura) Crispiniano da Fonseca, o Dr. Cristiano Borges e o Dr. Mário Lobo.  Só o Juiz Conselheiro se manteve até morrer na maçonaria. Os outros, “meteram atestado de quite” e libertaram-se das obrigações maçónicas:  frequentar a sua loja (estrutura das assembleias), participar nos rituais, elaborar as suas pranchas (dissertações sobre temas que ajudem ao aperfeiçoamento moral, espiritual  e intelectual do maçon), etc.
Um dos símbolos da maçonaria é o fio de prumo. A imagem que fiquei dessa gente foi precisamente a de serem como um fio de prumo. Não se poderia esperar deles a hipocrisia, o dizer uma coisa e fazer outra, a conversa fiada, nem faziam da liberdade ou da verdade uma questão de circunstância. Eram homens de convicções, capazes de as alterar se, racionalmente, reconhecessem que estavam errados e   de relação simples e agradável.
Tive muitas vezes boleia com o Dr. Mário Lobo e com o Conselheiro Crispiniano. Lia sempre o que escreviam no Jornal “Marcoense”. Possuo algumas monografias sobre o Marco  do conselheiro Crispiniano da Fonseca e do Dr. Cristiano Borges.
Para mim, fazem parte daquele número de homens decentes que já nos deixaram. Na suas vidas, assemelharam-se ao fio de prumo: verticais, sem os rodeios das conveniências, o folclore dos homens teatrais, o “chico-espertismo” dos oportunistas.
Tenho-os, por isso, entre os homens decentes que fazem parte da história do Marco de Canaveses e disso quis dar testemunho, sem estar ligado à maçonaria, como muitos leitores deste texto, que gostam mais de supor nas entrelinhas do que debruçar-se sobre a história, vão fazer crer. É sempre mais fácil diabolizar que aprender com os bons exemplos.
2016- 10 – 17
João Baptista Magalhães
Área de anexos

sábado, 15 de outubro de 2016



Não há democracia sem cidadania. Só o exercício da cidadania pode evitar os retrocessos civilizacionais com que nos deparamos: enquanto milhares de seres humanos lutam pelos direitos elementares; outros, lutam pela defesa de direitos conquistados negados pela direita que ocupou terreno na democracia. E são os mais explorados que abriram as fendas por onde entraram os que sempre os exploraram.
Mais do que a educação, temos um problema de cidadania.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

CIDADANIA



Tendo por base os dados recolhidos nos censos de 2011, investigadores da Universidade da Beira Interior calcularam o índice de desenvolvimento económico e social, que lhes permitiu depois ordenar os municípios segundo o seu nível de desenvolvimento económico e social. Neste ranking o concelho do Marco de Canaveses aparece no 296.º lugar, num universo de 308 municípios, isto é, o 9.º pior concelho.
Ora, seria esperado que este estudo com ampla divulgação nos meios de comunicação social, provocasse nos cidadãos um sobressalto cívico e aos decisores políticos locais, no mínimo, exigisse uma explicação. Nem uma coisa nem outra. Nem os munícipes se questionaram, nem os lideres políticos locais ousaram ensaiar uma explicação. Segundo José Gil, “...E se tudo se desenrola sem que os conflitos rebentem, sem que as consciências gritem, é porque tudo entra na impunidade do tempo – como se o tempo trouxesse, imediatamente, no presente, o esquecimento do que está à vista, presente.”
Durante os últimos anos, a “dívida herdada” foi sistematicamente apresentada para justificar a não realização das obras que os munícipes reclamam. Um concelho cuja rede de abastecimento de água serve apenas, aproximadamente, 32% da população. Quando já se vislumbrava uma luz ao “fundo do túnel” para os marcuenses se libertarem desse espartilho (faltam oito anos para que a maior parte da divida seja liquidada) eis que, os mesmos que sempre a apresentaram para justificar a sua inacção anunciam que pretendem prorrogar por vinte anos esse constrangimento. Novamente o mutismo de uns e a aparente indiferença de outros.
Para Ramalho Eanes, a democracia portuguesa não é satisfatória porque “...não tem havido a preocupação de politizar os cidadãos desde a infância”. Segundo este veterano da democracia, a República de abril oferece todas as liberdades, mas esqueceu-se que é necessário criar cidadãos, sobretudo através da educação. Pouco se fez para que a cidadania adulta, exigente e participativa existisse.
No próximo mês de dezembro comemorámos o 40.º Aniversário das primeiras eleições autárquicas, uma das conquistas da revolução de abril, evento marcante para a afirmação do poder local e que contou com uma significativa afluência às urnas. Passado o “estado de graça”, constatamos que a participação dos eleitores na vida politica local tem vindo a decrescer. O direito ao voto, uma das conquistas de abril, hoje, não é exercido por uma percentagem elevada de cidadãos. Parece haver um “divórcio” entre os cidadãos e o exercício da cidadania. O debate politico está ausente.
A continuar assim, com responsaveis autarquicos a não darem resposta aos problemas desenvolvimentais do concelho, com uma vida civica moribunda, poderemos dizer que o Marco  deixou de ser “um buraco negro na democracia”?

António Ferreira

domingo, 9 de outubro de 2016

Gente decente (I)


Há uma questão que  quase desapareceu das nossas conversas: a necessidade de gente decente. Os mais velhos devem-se lembrar do conselho dos nossos pais: “não andes  com gente que não é decente”!
Os nossos “velhotes” pouco se preocupavam com o dinheiro ou a posição social de quem convivia com os seus filhos: o que queria é que fosse gente decente, que tivesse bons costumes, não faltasse à palavra, não vivesse da má vida e fosse sobretudo honrada.
Muitos de nós não vivíamos em democracia e,  para muitos de nós, a democracia era como uma espécie de utopia da gente decente. E é talvez porque esta utopia se interiorizou em nós que temos dificuldade em compreender um mundo, onde a democracia é dominante, mas gerida por malandros.
Estão a decorrer as eleições nos Estados Unidos: de um lado temos Donald Trump e do outro Hillary Clinton:
O candidato republicano nada tem a ver com a ideologia do seu partido e apareceu soltando todos os demónios que os republicanos combateram: a xenofobia, o sexismo, o racismo, etc.  Os seus apoiantes são os menos escolarizados nos Estados Unidos: os brancos, negros e sobretudo mulheres. Um denominador os une: gente que vive do seu trabalho ou que está desempregada.  Apoiam-no, mesmo sabendo que o que diz se vira contra todos eles. Dizem votar Trump não por aquilo que ele diz, mas por representar um candidato que não é do sistema
A candidata democrata , Hillary Clinton, é contra tudo o que diz a verborreia de Trump, mas mesmo assim só leva de vantagem 4 pontos. Por que será?!...
Hillary pertence à elite americana, está ligada á alta finança, nomeadamente à Goldman Sachs, e é pelo sistema que ela representa que não consegue convencer os americanos. É como se dissessem: não acreditamos na democracia desta senhora, porque  o sistema que ela representa nos oprime nas fábricas, nos segrega nas escolas, não nos trata na doença e faz-nos pagar o descalabro que levou os bancos à bancarrota.
Trump e Hillary são, para muita gente, duas faces da mesma moeda. Só Trump é favorecido por parecer a bandeira dos que estão contra o sistema elitista que domina os partidos nos Estados Unidos e no mundo.
É muito provável que Clinton ganhe o debate desta noite e as próprias eleições! Mas os diabos soltos por Trump continuarão a espalhar-se pelo mundo, como a dizer: se no teu País, na tua região, na tua autarquia, queres ganhar eleições tens de ser demagogo, populista, sexista e racista.
A política parece não estar para gente decente: ficou entregue a malandros! E a democracia começou a andar para traz, criando no horizonte a ideia de que dará lugar aos terríveis demónios da primeira metade do séc. XX.
Precisamos de gente decente, a nível global, nacional, regional e autárquico! É sobre essa gente decente, muito ignorada na minha Terra, no Marco de Canaveses, que vou escrever na próxima reflexão.

João Batista Magalhães

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Uma conferência de Vargas Llosa


Jorge Mario Pedro Vargas Llosa é um escritor peruano, que foi prémio Nobel da Literatura em 2010.  Marcadamente existencialista, lutou contra a ditadura de Odria, em 1950.
Identifica os problemas existenciais com a qualidade da democracia e isso é a sua reflexão política mais interessante.
Na conferência que ontem pronunciou em Lisboa, considerou que a democracia  foi o sistema que mais contribuiu para a liberdade, para a paz e para uma existência saudável. O  seu conceito de existência pressupõe uma visão sartreana: existir é “ser-com-os-outros-no mundo”. Procuramos a felicidade na relação com os outros no mundo. Os outros não são o nosso inferno, mas o espelho onde nos reflectimos. Se  procuramos o bem dos outros encontramos o nosso bem.
O único sistema político que cria condições para uma boa relação com os outros é a democracia, mas é também o sistema mais vulnerável a retrocessos e a ameaças. Os perigos de retrocesso são, segundo Vargas Llosa, a demagogia e as desigualdades. E o seu maior risco é a corrupção. Nada corrói mais a democracia do que o enriquecimento ilícito. Referiu vários países onde essa gangrena está a desagregar a coesão social e com ela a democracia. Mas há ainda um outro risco: a falta de qualidade dos políticos, a sua ignorância e ausência de sentido de estado. Citou a demagogia como um instrumento fácil para o triunfo dos ignorantes. E a propósito referiu Donald Trump para sublinhar a desvalorização do conhecimento, da experiência e da sabedoria(um saber ligado à vida), quando a democracia perde as suas qualidades. E concluiu: “Donald Trump corre o risco de ser eleito porque não sabe nada sobre matéria alguma.”
A intervenção de Vargas Llosa estará amanhã presente em todos os jornais. Convém ler com atenção o que foi dito por ele. O descrédito da democracia, que por todo o lado é referido, é sobretudo culpa dos eleitores que se deixam condicionar pelo discurso fácil, que foi sempre o dos demagogos, e não criam exigências nas suas escolhas. E isto cada vez se torna mais evidente! Temos pago muito caro a falta de qualidade dos políticos que geram autarquias ou o governo da Nação.


João Baptista Magalhães
A Associação dos Amigos do Concelho do Marco de Canaveses abriu este Blog, que completa a página que temos no Facebook para criar instrumentos de opinião ao serviço de mais e melhor cidadania. Partilhe-os, por favor, com os seus amigos e faça-se sócio da nossa Associação.
Não há democracia sem cidadania. Ser cidadão é ter consciência dos seus deveres democráticos, sentir a responsabilidade do vínculo que o liga à sua comunidade, à sua autarquia, colocar exigências de critérios objectivos na atribuição de benefícios e empenhar-se no bem-comum.
Promover estes objectivos foi, desde a sua fundação, a razão de ser da AAMC.
A intervenção cívica é argumentativa, dá razões e não “manda bocas”, visa um entendimento sobre problemas, políticas, tipos de agir e modos de ver. Procura um entendimento, em que o falante organize o seu discurso sem ruídos e, sobretudo, sem o ruído que faz de uma crítica um ataque pessoal e da cidadania uma subserviência
A cidadania nada tem a ver com a “má-língua” ou a opinião de café. O discurso cívico é comunicativo, dá razões, tem como objectivo o interesse comum e não o “pathos”, os sentimentos pessoais de ocasião. Não espera que o receptor lhe fique grato ou o diabolize ou se faça vitima. O interesse comum é o horizonte do futuro para onde aponta o exercício da cidadania.
A cidadania exige qualidade, justificação de razões e abrir-se às razões da refutação. Procura que os seus argumentos se encaixem num entendimento com o receptor, como as peças de um puzzle.
Comemorou-se há dias o 5 de Outubro, a implantação da República. A República apareceu com o direito ao uso da palavra para a construção de uma cidade mais justa e humana. Deu sentido à democracia e à cidadania. Pôs fim à ideia de entregarmos o nosso destino colectivo a uma linhagem de “sangue puro” ou a uma oligarquia.
Ser presidente de uma autarquia não é ser um senhor feudal, que só os de “sangue puro” do seu partido ou os endinheirados sabe ouvir. A república é mesmo a “coisa pública”, de todos nós, com partido ou sem partido! Aliás, a denominação “partido” surgiu, durante as primeiras reuniões da assembleia constituinte, saída da Revolução Francesa, para definir os que tomavam parte por uma determinada ideologia e não os que definiam um grupo com interesses pessoais. E a ideologia é uma crença sobre a melhor forma de governar,(sendo esta a que diminui o sofrimento dos que mais sofrem) e não a defesa do amigo de quem governa.
Como dizia Descartes, “a crítica é o ácido que corrói o erro”. Torna a ideologia ou quem assume o poder responsável , pois, “ser responsável” é responder às acusações, às críticas e não “armar-se em vítima” ou lançar a diabolização sobre o crítico.
Abrimos este espaço à crítica argumentativa, a que dá razões para as suas ideias. Só as pudemos publicar, se forem assumidas por uma assinatura devidamente identificada.
Vêm aí eleições autárquicas! Propomo-vos que deixem a crítica de café e contribuam, com o exercício da cidadania, para um melhor futuro para o nosso Concelho. Desde já esperamos que nos digam as suas ideias (que naturalmente podem pressupor críticas) sobre três questões:
1ª Que qualidades deve ter quem queira representar os marcoenses na autarquia? Qual o melhor perfil de presidente?
2ª O que configura a identidade do nosso Concelho no plano cultural, patrimonial e económico?
3º Que situações de fragilidade entravam o desenvolvimento do progresso do concelho e da qualidade de vida dos munícipes?
As Vossas respostas devem ser devidamente identificadas. Pretendemos publicar as vossas ideias sobre estas questões e outras que colocaremos mais adiante, como carta de recomendações aos candidatos que, na altura da abertura da campanha eleitoral, se apresentem para gerir o nosso destino colectivo na Autarquia.
Aguardamos as Vossas ideias e façam delas o exercício do direito à cidadania, porque é isso que espera a qualidade da nossa democracia.
Façam-se sócios da nossa Associação e tragam consigo um amigo!

 Associação dos Amigos do Marco de Canaveses