sexta-feira, 28 de junho de 2019




Minhas Senhoras e meus Senhores:


Comemoramos hoje o 45.º aniversário da revolução de abril. Mais que exaltar os protagonistas, que nunca é demais, urge fazer uma reflexão sobre o caminho percorrido.

Saímos de um contexto de isolamento internacional, onde o analfabetismo atingia números significativos e a liberdade de expressão, só constava no imaginário.

Os militares conduziram a revolução e devolveram aos políticos a condução dos destinos do país.

A realização de eleições livres, a democratização do acesso à educação e não menos significativo, o fim de uma guerra que consumia recursos humanos e materiais, que limitava significativamente o crescimento económico do pais e o mantinha isolado no contexto internacional, foram algumas das conquistas alcançadas.

Há 45 anos a Escola não estava preparada para receber todos os alunos, os recursos humanos e materiais eram escassos. Hoje, temos que questionar se a mesma escola dita inclusiva está a formar tendo por referência os desafios que estas gerações vão encontrar.

Não podemos ignorar que está em curso o que alguns designam como a 4.ª revolução industrial, a qual irá colocar novos desafios, num contexto de uma economia global, fortemente competitiva e fomentada pela inovação, onde serão necessários recursos humanos mais qualificados, maior flexibilidade e em aprendizagem contínua. A presença de robôs no nosso quotidiano, cidades sem semáforos e meios de transporte autónomos é uma realidade que começa a desenhar-se. A medio prazo é previsível que 45% dos empregos disponíveis podem ser automatizados, com particular incidência nos que não são geradores de novas ideias e não exigem comunicações complexas e profundidade de pensamento. Para dar resposta a estas novas exigências do mercado de trabalho são necessários trabalhadores com elevadas capacidades.

É comum dizer-se que hoje temos a geração mais bem preparada, gostaria de acompanhar este raciocínio mas, salvo melhor opinião, temos uma geração com habilitações académicas mais elevadas.

A revolução de abril criou as condições à participação de todos na vida politica. No entanto, ao longo dos anos temos vindo a assistir passivamente à captura do regime pelos partidos políticos. Hoje, só pode ser eleito deputado quem integrar a lista de candidatos apresentadas pelas várias forças políticas. Paradoxalmente, o legislador que não permite candidaturas independentes, não se opõe a que, uma vez eleitos, os deputados se afastem na força que integraram, se tornem independentes e exerçam as funções para a qual foram eleitos.

Não será pois de estranhar o afastamento dos jovens do exercício e prática da actividade politica. Uma das principais conquistas de abril é parcialmente ignorada pela juventude.

Para este estado poderemos elencar um conjunto de variáveis que podem explicar parcialmente este aparente desinteresse.

 - Os partidos tem colocado obstáculos à participação dos cidadãos independentes na sua actividade. Privilegia-se a democracia representativa em detrimento da democracia participativa. - Os cidadãos que optam por não estar inscritos em qualquer força partidária, estão automaticamente afastados da discussão da constituição das listas a apresentar a sufrágio. A meritocracia tarda em afirmar-se.

- Em minha opinião, a emergência de uma classe profissional de políticos, não obstante, as ténues tentativas de limitar os mandatos, tem criado dificuldades para a afirmação de novos protagonistas.

- Os partidos utilizam uma linguagem onde proliferam constructos que o eleitor não domina ou desconhece, criando neste, erradamente, a ideia que são todos iguais logo, é desnecessário votar. Se há 45 anos existia uma elevada taxa de analfabetismo, hoje, a taxa de iliteracia para a política é significativa.

Não se pode apelar à participação do eleitor e simultaneamente apresentar as mesmas condições para o exercício desse direito aqueles que se verificaram há 44 anos nas eleições para a Assembleia Constituinte. Não se compreende que numa época em que a mobilidade e as novas tecnologias são palavras de ordem as mesmas não tenham reflexo neste ato tão significativo na nossa vida coletiva. Naturalmente que algo tem que mudar sem deixar de assegurar a verdade dos resultados.

A democracia não é um dado adquirido, tem que ser alimentada com a participação cívica de todos. Temos a obrigação de legar à geração seguinte condições e ferramentas que permitam que os obstáculos com os quais se vão defrontar sejam mais facilmente ultrapassados. Para tal é necessário uma aposta séria na educação para a cidadania.

A revolução reconstrói-se todos os dias.

Viva o 25 de abril!


António Moreira Ferreira  

(intervenção do Presidente da Associação dos Amigos do Marco no almoço comemorativo do 25 de Abril de 2019 - Pensão Magalhães - 25-04-2019)