O
contexto da época (2)
Nossa
Senhora da Lapa
Os
factos e os acontecimentos não falam por si: recebem a interpretação que lhes
damos. A História é sempre uma interpretação parcial de personagens e
acontecimentos de uma época. A interpretação dominante é sempre a que mais
agrada ao poder dominante. Como é evidente, não temos seguido essa: procuramos
estar com os que mais sofrem e denunciar os factos e acontecimentos que a
história dominante esconde.
No caso de Sebastião José de Carvalho e Mello, a
imagem que ficou para a História não é de um indivíduo que andou na
Universidade de Coimbra sem nunca conseguir passar num exame, não é a de um
tirano que se aproveitava das ideias dos outros, dos seus oráculos, e, depois,
descartava-se deles. E muito menos, a de um homem cruel que não olhava a meios
par atingir os fins que interessavam às suas ambições.
Sempre houve quem estivesse interessado em pintar
com cores garridas esta visão de Sebastião José e utilizá-la como bandeira do
laicismo, do liberalismo e do anticlericalismo. Vêem na sua doutrina regalista
a possibilidade de uma definitiva separação do poder religioso do civil, como
aconteceu com os defensores do liberalismo e a própria maçonaria (à qual,
dizem, ter pertencido Sebastião José).
Mas
o lado negro da personalidade despótica do
Marquês de Pombal pode ser
escondido, contudo não pode ser apagado. Entre muitos dos que através de pseudónimos
denunciaram, satirizaram e criticaram o Secretário de D. José no seu tempo,
citemos Cavaleiro de Oliveira, nome por que era conhecido Francisco Xavier de
Oliveira, e D. João de Almeida Portugal
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Cavaleiro
de Oliveira, no seu livro “Discours pathétique au sujet des calamites” (motivo
pelo qual em 1761 foi relaxado, isto é, queimado em estátua num auto-de-fé) denunciou
a deplorável situação moral do reino e sugeriu ter sido o Terramoto de 1755 um
castigo divino. D. João de Almeida Portugal pôs a nu a arbitrariedade e o sofrimento
dos presos das Prisões da Junqueira durante o ministério do Marquês de Pombal”
ficaram esquecidos e os que sobreviveram só foram postos em liberdade depois da
“viradeira”, assim designada a queda do Marquês depois da morte de D. José, em 1977.
Uma
das figuras mais notável do iluminismo, naquele tempo, François Marie Arouet,
(1694-1778), mais conhecido por Voltaire, também denunciou os exageros
despóticos do Secretário de D. José. Já mais próximo do nosso tempo, Camilo
Castelo Branco, no seu livro ”O perfil do Marquês do Pombal” considerou-o um
homem cruel, um político medíocre, que utilizava as ideias dos outros sem os
referir e que geriu os negócios do Estado como Calígula fez na Roma antiga.
A
memória das vítimas do Marquês de Pombal (ou de outros tiranos) não pode ser
esquecida: devemos-lhe a justiça que queremos para nós. Só porque os jesuítas
dispunham de enorme influência junto da coroa, utilizou todos os meios para os
descredibilizar e procedeu a um autêntico massacre cultural com a expulsão
desta ordem religiosa do Reino, encerrando a sua extensa rede de colégios,
destruindo as suas imponentes bibliotecas e queimando em hasta pública os seus
livros. O vazio deixado pelos jesuítas na Universidade de Coimbra foi
denunciado pelo autor do primeiro tratado de puericultura (Tratado da
educação física dos meninos, para uso da nação portuguesa), Francisco Melo
Franco. Este médico, em 1772, escreveu um poema com um elucidativo título: “O
reino da estupidez”. Nos quatro cantos do poema refere o espírito mesquinho e
ignorante do Marquês e satiriza os que servilmente redopiavam à sua volta. Contrariando
o espirito iluminista que muitos apregoam de Pombal, refere que a expulsão de
muitos professores da Universidade de Coimbra foi justificada com a acusação de
serem hereges, naturalistas, enciclopedistas. E, dando testemunho da sua
passagem por Coimbra, diz: “O ensino universitário não seguia o luminoso
caminho de que se gabava o Marquês de Pombal: vinha-se a Coimbra para aprender
a jogar nos botequins o sete-é-ponto e outros jogos da época, e ao cabo de
alguns anos regressava-se à terra natal com a carta de bacharel que ficava
guardada na arca.”
Poucos
põem em questão o atentado contra D. José que, pela forma como foi descrita,
sempre levou os mais atentos a suspeitar tratar-se de uma armadilha montada
pelo Marquês para conquistar a cega confiança do Rei e justificar as
perseguições cruéis que moveu à alta nobreza e aos jesuítas. E, quando referem
o espírito empreendedor do Marquês não referem que transformar as empresas
comerciais em companhias era prática frequente no seu tempo. Copiou essa forma
de governar para criar monopólios que muito o favoreceram, arruinando
agricultores e pequenos comerciantes de vinho.
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Já
quase ninguém se lembra que o Marquês de Pombal, por alvará de 30 de Maio de
1769 deu à Inquisição o carácter de Tribunal Régio e transformou-a no seu braço
polícial para perseguir, intimidar e condenar à pena do fogo quem supusesse que
lhe poderia fazer frente. Assim aconteceu com os jesuítas, a família dos
Távoras, os Taberneiros do Porto, etc.
Em 03
Setembro de 1758, terá armadilhado uma intentona contra o Rei para acusar os
Távora e os jesuítas de responsáveis por essa “conspiração”. Sabe-se que D.
José, nesse dia, regressava, já de noite, de um encontro com Teresa Leonor, mulher
de Luís Bernardo, herdeiro da família dos Távoras, que, ajudava na Índia o seu
Pai nas tarefas da governação. Teresa de si própria terá dito: onde seu pai era
governador. Teresa que de si própria terá dito: “fui amante de Sua Majestade D.
José I de Portugal e dos Algarves. E sou mulher que cultivou perigosamente a
beleza e fui de uma volúpia cegante”.
Logo, em
13 de Dezembro, manda prender os Távora e pouco depois, como cúmplices do
atentado, os Jesuítas. Confiscou a estes os seus bens, obrigou todos os
prelados a avisarem nas igrejas que os seus fiéis deveriam prevenir-se contra
erros ímpios e sediosos desta Ordem. E isso foi lido pelo abade da Folhada. Um
ano depois, em 03 de Setembro de 1759, conseguiu que o Rei publicasse o
decreto, onde faz a seguinte acusação: “Declaro os sobreditos regulares [os
Jesuítas] (…) rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a
minha real pessoa e Estado, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e
contra o bem comum dos meus fiéis vassalos (…) mandando que efetivamente sejam
expulsos de todos os meus reinos e domínios”. E sentencia que sejam “desnaturalizados, proscritos e exterminados
em Portugal e nas colónias.”( In: Processo dos Távora).
Um mês depois, no dia 13 de Janeiro de 1759, depois de se ter
verificado o eclipse da lua e de abrandar a intensa e gelada chuva que caiu no
início da madrugada, à luz de archotes começou a ser erguido um alto cadafalso,
no Cais de Belém, onde iria decorrer o espectáculo hediondo e de crueldade
sádica.
Era preciso que a multidão visse bem o que iria acontecer no
cadafalso para ficar claro como seria terrível a vingança do Marquês contra
quem se suspeitasse de fazer coisas semelhantes às dos que iam ser executados.
A curiosidade era muita: há mais de um mês que os principais fidalgos do reino
estavam presos e isso enchera o País de notícia. De antemão já se imaginava que
o desfecho seria a execução num espectáculo inédito e sórdido de horror. Era
preciso que esse sofrimento hediondo ficasse gravado na memória do povo para
criar um medo medonho de causar fúria ao marquês de Pombal.
Por volta das 07horas, de todos os bairros chegaram, em cortejo, os
magistrados e as autoridades policiais encarregues de fazer cumprir a vingança.
Lida a sentença, o condenado, preso por argolas de ferro, esperava a sua vez
para subir ao primeiro degrau do patíbulo do cadafalso, aí ajoelhava-se aos pés
do frade dominicano, confessava-se, recebia a absolvição e subia os restantes
degraus até chegar ao cadafalso. Aqui, o carrasco agarrava-o e obrigava-o a dar
uma volta em redor do palanque do cadafalso para que a multidão visse bem de
quem se tratava. Depois, era-lhe dado a conhecer, em voz alta, para que toda a
gente ouvisse, os tormentos que iria padecer.
Passava-se, finalmente, aos requintes de malvadez: “Ataram o Duque de Aveiro e o Marquês de
Távora às rodas de um mecanismo de tortura que, ainda vivos, lhes quebrou os
ossos das pernas, braços e os do peito foram partidos a golpes de maça. Depois,
foram os seus corpos queimados e as cinzas jogadas ao mar. D. Leonor foi
decapitada à espada pelo carrasco, o qual após expor a cabeça ao povo queimou-a
juntamente com o restante do corpo e lançou também as cinzas ao mar. O Marquês
Luís Bernardo, José Maria Távora e o Conde de Atouguia foram garrotados e só
depois lhes foram quebrados os ossos das pernas e braços, sendo a seguir os
seus corpos lançados na mesma fogueira que os predecessores. Pena igual
aplicou-se aos criados Manuel Álvares e João Miguel, assim como ao cabo Brás
Romeiro. Por sua vez, António Álvares e José Policarpo de Azevedo foram atados
em postes altos e queimados vivos, tendo as suas cinzas o mesmo destino das dos
outros réus. Além disso, todos foram condenados à desnaturalização, exautoração
das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e os seus bens
totalmente confiscados” (in: Processo dos Távora).
É possível que por S. João da Folhada, ajudado por
um dos padres da Quinta do Burgo, José Policarpo de Azevedo, condenado à morte
pela fogueira, depois de ser um dos acusados de tentar matar o Rei. O foragido
já levaria a cara queimada com vitríolo para não ser reconhecido e tinha como
destino Padrões da Teixeira, onde construiu uma pequena estalagem que recebia
os recoveiros que se dirigiam para Vila Real ou para a Régua. E isso, muito em
segredo, como quem se confessa na igreja constaria entre alguns folhadenses.
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Não poupava ao seu despotismo todos os que o
contrariassem. A fim de reforçar a presença portuguesa em frente de Ayamonte,
criou, em 1776, a Cidade de Vila Real de Santo António, com um traçado
semelhante ao da baixa de Lisboa, e dotou-a da alfândega, que existia em Castro
Marim e de uma lota, que foi institucionalizada como Real Pescaria do Algarve.
Como os cerca de cinco mil pescadores de Monte Gordo se recusassem a se
deslocarem para aquela cidade, mandou incendiar as suas casas, que levou muitos
deles a passarem-se para Espanha onde enriqueceram a indústria de pesca dos
espanhóis. Mas pior do que este incêndio, foi o da Trafaria, uma pequena aldeia
na margem sul do Tejo. No ano seguinte, ordenou ao intendente da polícia, Diogo
Inácio de Pina Manique, que chamasse trezentos homens para o ajudar e, na
madrugada de 24 de Janeiro de 1777, cercasse a aldeia da Trafaria e deitasse
fogo às casas, quase todas de madeira e colmo, só porque os seus habitantes não
denunciaram cerca de cem mancebos que nela se esconderam para fugir à Guerra
dos Sete Anos. Os desgraçados, todos eles a viverem em grande pobreza, bem
tentaram fugir por entre as chamas nus e levando às costas ou sobraçados velhos
e crianças, mas foram impedidos pelo cordão de tropa.
O
medo que Sebastião José suscitava espalhava-se por todo o lado, secando no povo
a boca de pavor, gerando um ambiente social de temor e profunda depressão.
É neste contexto que no dia 13 de
Maio de 1757, Nossa Senhora terá aparecido a três pastorinhas de S. João da
Folhada para combater o crescente delírio da gente amedrontada.
O testemunho desta visão é um facto incontroverso,
conforme manuscrito encontrado na Torre do Tombo.
Desse manuscrito daremos conta no próximo capítulo.
29 de Abril 2017
João Baptista Magalhães