Entre 1908 e 1927, Portugal
foi palco de uma “guerra civil intermitente”. A sociedade não acreditava nas
instituições nem aceitava o seu normal funcionamento, preferindo o recurso à
violência organizada para a resolução dos seus problemas. Neste período, os
governos duravam meses e nenhum completava o seu mandato. Sucederam-se dezenas de
golpes violentos, algumas revoluções/guerras civis. D. Carlos e Sidónio Pais foram
assassinados e as organizações políticas dispunham de “exércitos” constituídos
por grupos de civis armados.
O início da guerra
mundial, em agosto de 1914, com o país em guerra civil, com um regime recente e
fraco que teme o afastamento em relação ao seu secular aliado, do qual tudo
depende, contribuiu para agravar a situação.
A posição a adotar perante
a guerra divide as forças políticas. Dois blocos são identificados no final de
1914: de um lado, os "guerristas", com o Partido Democrático no
centro e integrando a maioria dos republicanos radicais, no lado oposto os "antiguerristas",
conservadores e moderados associados com a direita.
Os
"guerristas" defendem a participação de Portugal na guerra, através
de um pedido da Grã-Bretanha, feito em nome da Aliança e o seu contributo nos
combates na França. Com esta estratégia, internamente consolidam o regime e o
seu poder, e no plano externo, colocam o país como o principal parceiro na
Península Ibérica. Para alcançar este objetivo é necessário criar uma “cortina
de fumo” fazendo com que a opinião pública acredite que mais não fazem do que
seguir as solicitações da Inglaterra, o nosso secular Aliado, o que não
corresponde à verdade.
Os
"antiguerristas", onde se destaca Brito Camacho, líder do Partido
Unionista, advogam que Portugal se devia defender caso fosse atacado e devia
aceitar todos os pedidos feitos em nome da Aliança. O envolvimento das nossas
forças deveria concentrar-se em África, evitando combater em França.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA CUMPRIMENTA OS GENERAIS GOMES DA COSTA E TAMAGNINI
O regime republicano
contava com o apoio de parte da população urbana e tinha a oposição de grande
parte dos oficiais do quadro permanente. Como forma de defesa, este regime
fraco, antecipando uma possível tomada de posição do Exército, promove a
politização dos oficiais, infiltrando nos quarteis organizações políticas
radicais com o objetivo de dividir as Forças Armadas, desorganiza-las e
consequentemente, diminuir a sua eficácia. Paradoxalmente, mais tarde, vê-se
obrigado a pedir às Forças Armadas a organização da maior força expedicionária
portuguesa para a Europa.
A ambição dos
“guerristas” em participar na guerra tem a oposição da Grã-Bretanha que,
conhecedora da nossa débil situação económica e militar, se opõe à nossa
participação. Para o nosso Aliado, em caso de pedir a beligerância, implicava
também o assumir financeiramente todo o esforço de guerra e teria de armar,
treinar, abastecer, e transportar as forças disponibilizadas.
A estratégia
delineada pelos “guerristas” era conseguir a participação na guerra através de
um pedido da Grã-Bretanha. A esta posição, Londres pede que “não se declare
formalmente a neutralidade”.
A França, em
setembro de 1914, pede a cedência de 36 baterias de peças de 75 TR francesas
que tinham sido compradas por D. Carlos. Perante esta solicitação, Pereira de
Eça, Ministro da Guerra, defende que “as peças só podem seguir com os
respetivos artilheiros”, a que se devem juntar outras armas pelo que se propõe
o envio de uma divisão completa com cerca de 20 000 homens para França.
A maioria dos oficiais do Exército manifestava de várias
formas a sua oposição à política de provocar a beligerância, dado que obriga o
Ministro da Guerra e rever a sua posição de só enviar as peças com os homens.
No final de 1914, as peças partem com o compromisso Aliado de aceitar o envio
da força expedicionária. Como curiosidade, as peças são enviadas sem munições o
que implica a sua não utilização.
General Norton de Matos passa revista às tropas do CEP
Em janeiro de 1915,
dá-se o "movimento das espadas", onde os oficiais da guarnição de
Lisboa entregam as espadas a Manuel de Arriaga, uma clara indicação de que só
nele confiam e só a ele obedecem. Em resposta, o Presidente da República
entrega o poder a um governo "antiguerrista" chefiado pelo General
Pimenta de Castro, que decide parar com a mobilização da Divisão a enviar para
França, decisão apoiada pela Grã-Bretanha. Pimenta de Castro, sem o apoio das
câmaras dominadas pelo Partido Democrático, marca eleições para meados de 1915.
O Partido Democrático conspira para derrubar violentamente o Governo
"antiguerrista”.
A situação política evolui
para a revolução de maio de 1915, a mais sangrenta de todas, da qual resultam cerca
de 200 mortos e 600 feridos em Lisboa. O Partido Democrático mostra a sua força
e prova que com o entendimento entre os grupos de civis armados, as
infiltrações nas unidades do Exército, entre outros, consegue dominar Lisboa. O
Governo de Pimenta de Castro apresenta a demissão e o Presidente da República
abandona a sua residência. Deste “chinfrim”, como apelidado por Ferreira do
Amaral, o Exército levou tal encontrão que os oficiais passaram a andar à
paisana para não serem insultados e espancados nas ruas pela canalha açulada
pela mendicidade do partido democrático”.
O novo Governo
recupera o objetivo de retomar a preparação da divisão a enviar para França,
posição que a Grã-Bretanha não deseja, e a França não tem argumentos para a pressionar
para alterar essa decisão. Entretanto, os efeitos da guerra começam a
manifestar-se. Em Portugal, há uma redução significativa nos fretes marítimos o
que implica a falta de alimentos, energia e divisas e descontentamento da
população.
Para a opinião
pública é dito que a posição de Portugal é orientada pela do nosso Aliado, justificando
desta forma o percurso para a beligerância, o que é falso.
A situação mantem-se
no impasse, não obstante a pressão dos “guerristas” para que a Grã-Bretanha
solicite a beligerância em nome da Aliança, que recusa.
No final de 2015, a
França informa Londres que precisa dos navios alemães ancorados nos portos
portugueses e que pretende solicitar a Portugal a sua apreensão. Perante este
dado novo, a Grã-Bretanha tem de decidir se pede a apreensão dos navios em nome
da Aliança, o que implicará apoiar materialmente a beligerância portuguesa, ou
aceita que Portugal passe para a área da influência da França. Depois de
algumas “nuances” a Grã-Bretanha cede e pede a apreensão dos navios em nome da
Aliança. Em resposta a Alemanha declara a guerra a Portugal em março de 1916.
Distribuição da Ração
Os “guerristas”
tinham alcançado um dos seus objetivos – a beligerância.
Forma-se de imediato
um Governo dito de "União Sagrada", que devia exprimir a unidade
nacional, que não existia, à volta da participação na guerra. Para os
"guerristas" subsistia um problema, não bastava a beligerância, era
necessário que o nosso Aliado aceitasse o envio de tropas para França. A
posição britânica é semelhante à defendida pelos “antiguerristas”, isto é, o
esforço militar nacional deve concentrar-se na defesa dos portos e navegação e
no envio de forças para África. A esta posição Afonso Costa responde que só
entrega os navios apreendidos como contrapartida pela aceitação do envio de
tropas para França e o apoio financeiro ao esforço de guerra.
Em julho de 1916, o
Governo Português recebe uma nota onde é "convidado" a colaborar mais
ativamente ao lado dos Aliados. Afonso Costa justifica o envio de uma força
para França como resposta a um "pedido" britânico, o que não
corresponde à verdade.
Norton de Matos,
Ministro da Guerra, “mobiliza gente, arranja oficiais, inventa sargentos e,
numa aplicação de faculdades notáveis, ia ajuntando uma soma até então nunca
vista de pessoal, material e animais”. Deram-lhe “como programa o envio de uma
divisão; depois passou à realização da ideia de um corpo d’exército e se o
deixassem alemães e portugueses, avançaria até à conceção de um exército”.
Os primeiros
contingentes embarcam em navios ingleses em janeiro de 1917, depois de um
pequeno grupo de 150 militares, que seguiu em fins de 1916 por comboio pela
Espanha, vestido à civil. O futuro do CEP foi decidido nestas curtas semanas de
fins de 1916.
O CEP, que tem a
oposição de grande parte do corpo de oficiais, dependia da Grã-Bretanha em
termos de financiamento, transporte, armamento, logística, treino,
enquadramento, meios pesados, apoio aéreo, informações, comando, etc, é uma
invenção dos "guerristas" que Londres só aceitou ao fim de muita
resistência.
Era a fórmula do
desastre. Para o CEP o desastre chegou a 9 de abril, para os
"guerristas" chegou antes com a revolução Sidonista.
Em 11 de novembro de
1918, é assinado o armistício entre os franceses, ingleses e alemães, assinalando
o cessar-fogo na Frente Ocidental. As hostilidades continuaram em outras
regiões depois de quatro anos de guerra que mobilizou mais de 70 milhões de
militares e resultou em quase dez milhões de mortos e o dobro de deficientes
militares.
Que as lições tenham
sido aprendidas!
António Moreira Ferreira
Bibliografia:
Amaral, J. Ferreira
(1922), A mentira da Flandres e … o medo. Lisboa: Editores J. Rodrigues &
C.ª
Telo, António José
(2014). “Um Enquadramento Global para uma Guerra Global”. Nação e Defesa n.º
139, pp. 8-34.