Portugal foi para a Guerra para não perder as colónias
cobiçadas, na altura, pelos ingleses e alemães. Escrevi com o saudoso amigo
Coronel Virgílio Barreto Magalhães um livro sobre um nosso conterrâneo, combatente
e médico nessa Grande Guerra: “Fernando de Miranda Monterroso, O Homem, O Herói
e o Benemérito”.
Quisemos fazer a memória deste Homem bom pela seguinte
razão: Este homem bom, herói de guerra e benemérito da nossa terra estava
praticamente esquecido e até a sua foto tinha desaparecido do Asilo que a
expensas suas tinha criado no Marco. Este Militar deixou grande parte da sua
fortuna à Misericórdia do Marco e criou três bolsas de estudo, que serviram de
exemplo a que outras fossem criadas pela autarquia.
Sobre a Batalha de La Lys, deixamos escrito o
seguinte:” Esta incursão (dos alemães), desenhada numa situação de desespero,
teve como seu arquitecto, o General (alemão) Erich Ludendorff. Concebeu-a para
ser em grande escala, aterradora, feita de rompante, em massa e numa altura que
pudesse surpreender o lado mais frágil das tropas luso-inglesas que ocupavam a
Flandres. Deu-lhe o nome de “operação Georgette”, e entregou o seu comando ao
General Ferdinand von Quast.
Esse lado era o que estava a cargo das tropas
portuguesas, praticamente abandonadas por Portugal, depois do golpe de estado,
com que Sidónio Pais tomou conta do poder, prendendo Afonso Costa, chefe do
Governo, e exilando o Presidente da República.
(…)
Por volta das 4h15m da madrugada desse dia, arrancou,
de surpresa o ataque. Mais de um milhar de bocas de fogo dispararam sobre a
frente ocupada pelas tropas portuguesas e o seu impacto foi sentido como um
terramoto horrendo e inimaginável, abrindo crateras com mais de 20 metros de
diâmetro que engoliam soldados e armamento.
Este ataque intenso, massivo e em profundidade foi
feito com oito Divisões (cerca de 55mil homens) numa primeira linha, cinco na
segunda e três na terceira. Teve como alvo o 11º Corpo Britânico e o CEP que,
como sabemos, ocupavam uma área de 55 km de frente, entre as localidades de
Gravelle e de Armentiére. Mas o grosso do ataque fez-se contra o sector
considerado mais débil, o ocupado pela 2º Divisão das tropas portuguesas.
A resistência em linha, como era a das trincheiras,
sem capacidade de mobilidade, cedeu e as forças alemãs romperam o flanco
esquerdo da defesa portuguesa, onde se fazia a ligação entre as forças das
tropas comandadas pelo general Gomes da Costa e as forças britânicas da 40ª
Divisão.
(…)
Por volta das 8h30m já não havia praticamente
combatentes portugueses na primeira linha e a “avalanche” avançou como um rolo
compressor sobre a linha B, atingindo rapidamente a zona das aldeias. Tudo foi
feito com violentíssimos bombardeamentos de artilharia e ataques de gás que
destruíram a 1ª e a 2ª linha de infantaria e cortaram as comunicações
telefónicas e telegráficas.
As explosões de granadas e obuses passaram a atingir
os comandos das brigadas, as posições da artilharia da Segunda Divisão do CEP,
inclusivamente o seu Quartel-general.
A “chuva de metralhada”, como lhe chamou Augusto
Casimiro (um poeta com o posto de capitão, natural de Amarante) no seu livro
“Calvário da Flandres”, arrasou tudo e todos. O intenso fogo, o bombardeamento
dos aviões e as granadas de gases foram pondo fora de combate milhares de
militares.
Apesar da resistência heroica, foi impossível aos
soldados portugueses, sem reforços, suster aquela “avalanche” de “boches”, com
melhor armamento e em quantidade abissalmente superior.
Quem não morreu nem se entregou, entrou em pânico numa
fuga desesperada e sem norte. Em apenas quatro horas de batalha, o general
Costa Gomes perdeu 7.500 soldados, entre os quais 327 oficiais e cerca de 100
peças de artilharia.
A própria coordenação dos serviços de saúde tornou-se
impossível. Não se conseguia formar uma coluna automóvel de transporte de
feridos: o fogo inimigo tinha destruído a maioria dos veículos e os que
restaram estavam avariados.
Neste contexto, o Cirurgião-Médico, Dr. Fernando
Monterroso, mais uma vez, demonstrou ser um oficial corajoso, proficiente e
determinado. Podia-se dizer dele o que disse Ferreira do Amaral (um oficial de
carreira que também tinha estado em África e comandou na Flandres os soldados
de infantaria de Tomar, Faro e Penafiel) numa indirecta aos oficiais
pretensamente patriotas: “Não resolvi ir de repente, no entusiasmo dos vivas e
excitado pelo som dos clarins e trombas da guerra, mas por dever de militar".
Nessa altura, Fernando Monterroso, chefiava os
Serviços de Saúde da 2ª Divisão sediado em Lestrem e recebeu ordem do comando
do XI Corpo do Exército Britânico para se deslocar para Saint-Venant.
Como não conseguiu transporte para essa deslocação e é
informado que não há garantias para que em tempo oportuno o consiga, fê-lo a pé
e envidou todos os seus esforços para reunir todos os que foi possível
encontrar feridos, desorientados ou em debandada.
(…)
Como reza a justificação para ser galardoado com a
medalha da “Batalha de La Lys”, a sua decisão salvou muitas vidas, foi
considerada heróica e contribuiu para levantar o nível moral das tropas”.
A catástrofe de La Lys, com as suas consequências, as
inúmeras perdas de combatentes e humilhações sofridas, transformou-se num
pesadelo que fez esquecer no CEP todas as glórias do passado recente na
Flandres. E elas não foram poucas!...
(…)
Este sentimento de frustração gerava mágoas profundas,
de difícil cura, que eram sempre acompanhadas de queixumes: nas cantinas, nos
gabinetes, em todos os locais onde conviviam combatentes, não faltava o dedo
acusatório virado para Sidónio Pais, para os “cachapins (os beneficiados da
guerra), os ingleses e os oficiais que aproveitavam vir de gozo de licença a
Portugal e depois obtinham a desmobilização, com base no decreto nª 3959 de
30/03/1918, conhecido pela lei do “roullement”.
A substituição, ao fim de um ano, das tropas
mobilizadas para a Flandres nunca aconteceu. O governo português de Sidónio
Pais foi o único que, nas palavras do subchefe do estado-maior do CEP, coronel
Ferreira Martins, “infligiu aos seus soldados o suplício intraduzível de lhes
dizer que estão ali para sempre até que um tiro, um estilhaço ou uma tuberculose
os tire dessa guerra, cuja duração ninguém podia prever”.
Compreendia-se, por isso, que nos duros rostos dos
soldados portugueses desaparecessem os apegos que lhes faziam enaltecer a sua
pátria e sentir orgulho em cumprir um dever patriótico. Vivia-se, agora, um
profundo sentimento de ingratidão, tratamento arbitrário, humilhação,
sofrimento e tristeza.
Chegavam-lhes, ao arrepio da censura, notícias da
epidemia do tifo e da gripe, também conhecida por gripe espanhola ou pneumónica,
que semeavam a morte em Portugal, mas nem isso superava a dor do abandono a que
tinham sido votados, a consciência de que já não eram um corpo expedicionário,
mas restos esfrangalhados de baterias, companhias e batalhões que, por ordem
dos ingleses, eram dispersos por diversas unidades britânicas.
Humilhados pelos britânicos e traídos pela Pátria, em
nome da qual eram soldados portugueses que morriam, ficavam mutilados física e
psicologicamente, encarcerados ou desaparecidos, sentiam a sua alma de
combatentes dizer o que escreveu o Coronel Ferreira do Amaral: “Sidónio Pais
tratou-nos como gado de pastagem em montado”.
Foi neste contexto que Fernando Monterroso desabafou
numa carta a Francisco Moreira de Magalhães, foi o de ter de reviver os locais
e as situações que obrigaram a enterrar à pressa soldados tombados na batalha e
assistir à morte inútil dos que foram incapazes de resistir aos ventos frios e
húmidos da Flandres, que, com tosses intermináveis, lhes roubava a vida, sem
ter ninguém, de perto, a valer-lhes”.
A Batalha de La Lys tem um lado que as comemorações
esquecem: a traição dos políticos portugueses daquele tempo aos homens que, ao
darem a vida pela sua pátria, deixaram as suas famílias cobertas de preto e
muitas vezes na miséria.
É bom não esquecer isto!
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