sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

POEMA DE NATAL

 
 












Gostava de escrever um poema de Natal
Que não falasse da acidez das lembranças
Não fosse uma reluzente operação de fantasia

Gostava de escrever um poema de Natal
Com três cravos na mão apenas!
E uma brisa de amor por companhia.

Gostava de escrever um poema de Natal
Sem as ondas raivosas nos rochedos
Sem a voz dos magoados silêncios do medo

Gostava de escrever um poema de Natal
Onde as palavras gravassem uma melodia
E fizesse a transfiguração da noite em dia

Gostava de escrever um poema de Natal
Que recolhesse dos gestos abandonados
As carícias que nas sombras se perderam

Gostava de fazer um poema de Natal
Onde falassem por mim os pássaros e o vento
E da vida se fizesse um sonho completo
Onde bebêssemos o azul da ternura que invento

 João Baptista Magalhães

domingo, 11 de dezembro de 2016


A ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS
DO
 MARCO DE CANAVESES
DESEJA A TODOS BOAS FESTAS DE NATAL DE 2016 E UM PRÓSPERO
ANO NOVO DE 2017

Poder local?!....



 
Comemorou-se os quarenta anos do poder local, mas o que deveria ser feito era uma romagem ao cemitério dos cravos de Abril.
O poder local foi uma das principais conquistas do 25 de Abril. Foi a expressão da democracia participativa, a esperança das populações tomarem conta do seu próprio destino sem andarem com o chapéu na mão, o fim da subserviência  aos caciques locais que, na generalidade, eram os agentes do governo para controlo das populações.
Com o 25 de Abril, o poder local ganhou a sua própria especificidade e deixou de ser  um ramo do poder central. Obviamente, participa da natureza do Estado, mas com um outro modelo: ser a voz das populações locais muitas vezes em conflito com o poder central, a expressão de uma democracia participativa e de uma cidadania activa.
Alexandre Herculano considerava que o municipalismo, como expressão  do poder popular, era a única organização social capaz de mobilizar e valorizar os actores locais, aqueles que sabem assumir o papel de interpretar os anseios das populações, e, assim, promover o desenvolvimento das comunidades.
E quando se dizia que não havia democracia sem partidos era porque se pensava que o papel dos partidos prendia-se com a inserção dos seus militantes nos movimentos sociais, contribuindo com a sua forma de ver a vida, o homem e o mundo, isto é, a sua ideologia, para a promoção do desenvolvimento e resolução dos problemas das populações. Hoje, muitos militantes partidários nem sequer participam na organização do rancho folclórico da sua freguesia. Ocupam os espaços da democracia como noutros tempos se ocupava os lugares nos salões onde se jogavam as cartas ou se servia um chã. A política tornou-se num jogo de ilusões, sem inserção nos movimentos sociais, com excepção da actividade sindical.
Fui um entusiasta do poder local! Cheguei a fazer um pequeno livro, com desenhos do meu querido amigo Cunha, subordinado ao tema: “viva, viva, o poder popular!”
Nessa altura, havia os conselhos municipais, de que fui presidente até à sua extinção. Estava lá por ser o presidente da direcção dos bombeiros.  Não eram órgãos, como hoje, de intervenção disciplinar, como é o conselho da educação, mas de representação do comércio, da indústria e de associações.
O Conselho Municipal funcionava como uma espécie de segunda câmara de aconselhamento das políticas autárquicas. Entendia-se que a autarquia, pela sua própria natureza de poder local era distinta do poder central. Cabia-lhe dar reposta  às preocupações da vida local, satisfazer as suas necessidades básicas de saneamento e abastecimento de água,  promover o desenvolvimento harmonioso do concelho, defender o património ambiental, monumental e gastronómico. Quando se falava em confraria, falava-se na promoção dos restaurantes que deveriam ser uma carta de apresentação da culinária do concelho e não numa feira de vaidade.
A partir dos anos 80, as autarquias tornaram-se o lugar mais apetecível para todo o tipo de corruptos: uns foram presos, outros conseguiram que os seus processos prescrevessem e ainda outros depois de um tempo “sabático” voltaram a retomar a vida política. O perfil de um  autarca alterou-se: deixou de ser a pessoa que representa os anseios de uma população e passou a ser o gestor de um território. Privatizaram-se bens públicos, como a água, passou-se a entregar serviços aos apaniguados do partido do presidente, criaram-se empresas municipais para satisfazer clientelas, apareceram os empreiteiros do regime que, em troca, vão pagando as campanhas eleitorais, e enxameou-se os lugares da autarquia com boys. E como o poder aumenta com a capacidade de satisfazer clientelas, já só querem mais poder com mais descentralização e menos controlo de responsabilidades na má gestão. Querem ser gestores, mas sem assumirem as responsabilidades da má gestão, como acontece em todas as empresas.
Não aprendemos nada com os erros do passado. Durante os períodos descentralistas, como foram os anos de 1836, com Passos Manuel, de 1878, com Rodrigues Sampaio e de 1886, com Luciano de Castro, a descentralização promoveu um desmesurado caciquismo, uma corrupção imensa e um endividamento que quase fez parar a máquina do estado. Sofremos a humilhação do Ultimato, caímos em 1902 na bancarrota e só em 2001, no tempo de Guterres, foi saldada a dívida então contraída.
Não podemos generalizar, mas temos de dizer que Júlio Dinis tem mais razão que Herculano, quando verberava: “As autarquias são o reino dos caciques!”
Uma lógica de facilitismo irresponsável associa-se, hoje, à ideia de que descentralizar é desburocratizar e promover o desenvolvimento.
A democracia para ser transparente tem de ter regras e é o Império das regras ou das leis que evita o arbítrio e o esbanjamento.
Não é por acaso que a promiscuidade entre a política e o futebol cada vez torna estes mundos mais semelhantes. O futebol deixou de ser um desporto e tornou-se numa indústria, e os partidos, nomeadamente do bloco central, foram substituindo a ideologia pela indústria de empregos e novo-riquismo.
O poder local não existe: a maioria dos autarcas não são da terra a que presidem e quase todos eles não foram escolhidos pela sua inserção nos problemas da vida das pessoas em comunidade. São quase todos doutores, homens de muita lábia, mas com pouco sentido de estado.
Comemoraram-se 40 anos do poder local com a espectacular verborreia de gente que não sabe o que isso é!
Podia-se ter aproveitado estas comemorações para uma reflexão sobre os movimentos locais ou um congresso sobre os problemas locais, mas só  se aproveitou a data para fazer elogios a gente que nunca fez nada pelo desenvolvimento do poder local.
Vamos andando distraídos, perdemos a nossa capacidade de intervenção e não percebemos que isso nos vai ficar muito caro! Depois vão-nos ao bolso com impostos ou agravamento de licenças.
João Baptista Magalhães