quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A MENTIRA DA FLANDRES



Entre 1908 e 1927, Portugal foi palco de uma “guerra civil intermitente”. A sociedade não acreditava nas instituições nem aceitava o seu normal funcionamento, preferindo o recurso à violência organizada para a resolução dos seus problemas. Neste período, os governos duravam meses e nenhum completava o seu mandato. Sucederam-se dezenas de golpes violentos, algumas revoluções/guerras civis. D. Carlos e Sidónio Pais foram assassinados e as organizações políticas dispunham de “exércitos” constituídos por grupos de civis armados.

O início da guerra mundial, em agosto de 1914, com o país em guerra civil, com um regime recente e fraco que teme o afastamento em relação ao seu secular aliado, do qual tudo depende, contribuiu para agravar a situação.

A posição a adotar perante a guerra divide as forças políticas. Dois blocos são identificados no final de 1914: de um lado, os "guerristas", com o Partido Democrático no centro e integrando a maioria dos republicanos radicais, no lado oposto os "antiguerristas", conservadores e moderados associados com a direita.

Os "guerristas" defendem a participação de Portugal na guerra, através de um pedido da Grã-Bretanha, feito em nome da Aliança e o seu contributo nos combates na França. Com esta estratégia, internamente consolidam o regime e o seu poder, e no plano externo, colocam o país como o principal parceiro na Península Ibérica. Para alcançar este objetivo é necessário criar uma “cortina de fumo” fazendo com que a opinião pública acredite que mais não fazem do que seguir as solicitações da Inglaterra, o nosso secular Aliado, o que não corresponde à verdade.

Os "antiguerristas", onde se destaca Brito Camacho, líder do Partido Unionista, advogam que Portugal se devia defender caso fosse atacado e devia aceitar todos os pedidos feitos em nome da Aliança. O envolvimento das nossas forças deveria concentrar-se em África, evitando combater em França.  
          PRESIDENTE DA REPÚBLICA CUMPRIMENTA OS GENERAIS GOMES DA COSTA E TAMAGNINI

O regime republicano contava com o apoio de parte da população urbana e tinha a oposição de grande parte dos oficiais do quadro permanente. Como forma de defesa, este regime fraco, antecipando uma possível tomada de posição do Exército, promove a politização dos oficiais, infiltrando nos quarteis organizações políticas radicais com o objetivo de dividir as Forças Armadas, desorganiza-las e consequentemente, diminuir a sua eficácia. Paradoxalmente, mais tarde, vê-se obrigado a pedir às Forças Armadas a organização da maior força expedicionária portuguesa para a Europa.

A ambição dos “guerristas” em participar na guerra tem a oposição da Grã-Bretanha que, conhecedora da nossa débil situação económica e militar, se opõe à nossa participação. Para o nosso Aliado, em caso de pedir a beligerância, implicava também o assumir financeiramente todo o esforço de guerra e teria de armar, treinar, abastecer, e transportar as forças disponibilizadas.

A estratégia delineada pelos “guerristas” era conseguir a participação na guerra através de um pedido da Grã-Bretanha. A esta posição, Londres pede que “não se declare formalmente a neutralidade”.

A França, em setembro de 1914, pede a cedência de 36 baterias de peças de 75 TR francesas que tinham sido compradas por D. Carlos. Perante esta solicitação, Pereira de Eça, Ministro da Guerra, defende que “as peças só podem seguir com os respetivos artilheiros”, a que se devem juntar outras armas pelo que se propõe o envio de uma divisão completa com cerca de 20 000 homens para França.
        
A maioria dos oficiais do Exército manifestava de várias formas a sua oposição à política de provocar a beligerância, dado que obriga o Ministro da Guerra e rever a sua posição de só enviar as peças com os homens. No final de 1914, as peças partem com o compromisso Aliado de aceitar o envio da força expedicionária. Como curiosidade, as peças são enviadas sem munições o que implica a sua não utilização.

                                         General Norton de Matos passa revista às tropas do CEP
Em janeiro de 1915, dá-se o "movimento das espadas", onde os oficiais da guarnição de Lisboa entregam as espadas a Manuel de Arriaga, uma clara indicação de que só nele confiam e só a ele obedecem. Em resposta, o Presidente da República entrega o poder a um governo "antiguerrista" chefiado pelo General Pimenta de Castro, que decide parar com a mobilização da Divisão a enviar para França, decisão apoiada pela Grã-Bretanha. Pimenta de Castro, sem o apoio das câmaras dominadas pelo Partido Democrático, marca eleições para meados de 1915. O Partido Democrático conspira para derrubar violentamente o Governo "antiguerrista”.

A situação política evolui para a revolução de maio de 1915, a mais sangrenta de todas, da qual resultam cerca de 200 mortos e 600 feridos em Lisboa. O Partido Democrático mostra a sua força e prova que com o entendimento entre os grupos de civis armados, as infiltrações nas unidades do Exército, entre outros, consegue dominar Lisboa. O Governo de Pimenta de Castro apresenta a demissão e o Presidente da República abandona a sua residência. Deste “chinfrim”, como apelidado por Ferreira do Amaral, o Exército levou tal encontrão que os oficiais passaram a andar à paisana para não serem insultados e espancados nas ruas pela canalha açulada pela mendicidade do partido democrático”.

O novo Governo recupera o objetivo de retomar a preparação da divisão a enviar para França, posição que a Grã-Bretanha não deseja, e a França não tem argumentos para a pressionar para alterar essa decisão. Entretanto, os efeitos da guerra começam a manifestar-se. Em Portugal, há uma redução significativa nos fretes marítimos o que implica a falta de alimentos, energia e divisas e descontentamento da população.

Para a opinião pública é dito que a posição de Portugal é orientada pela do nosso Aliado, justificando desta forma o percurso para a beligerância, o que é falso.

A situação mantem-se no impasse, não obstante a pressão dos “guerristas” para que a Grã-Bretanha solicite a beligerância em nome da Aliança, que recusa.

No final de 2015, a França informa Londres que precisa dos navios alemães ancorados nos portos portugueses e que pretende solicitar a Portugal a sua apreensão. Perante este dado novo, a Grã-Bretanha tem de decidir se pede a apreensão dos navios em nome da Aliança, o que implicará apoiar materialmente a beligerância portuguesa, ou aceita que Portugal passe para a área da influência da França. Depois de algumas “nuances” a Grã-Bretanha cede e pede a apreensão dos navios em nome da Aliança. Em resposta a Alemanha declara a guerra a Portugal em março de 1916.

                                                Distribuição da Ração
Os “guerristas” tinham alcançado um dos seus objetivos – a beligerância.

Forma-se de imediato um Governo dito de "União Sagrada", que devia exprimir a unidade nacional, que não existia, à volta da participação na guerra. Para os "guerristas" subsistia um problema, não bastava a beligerância, era necessário que o nosso Aliado aceitasse o envio de tropas para França. A posição britânica é semelhante à defendida pelos “antiguerristas”, isto é, o esforço militar nacional deve concentrar-se na defesa dos portos e navegação e no envio de forças para África. A esta posição Afonso Costa responde que só entrega os navios apreendidos como contrapartida pela aceitação do envio de tropas para França e o apoio financeiro ao esforço de guerra.

Em julho de 1916, o Governo Português recebe uma nota onde é "convidado" a colaborar mais ativamente ao lado dos Aliados. Afonso Costa justifica o envio de uma força para França como resposta a um "pedido" britânico, o que não corresponde à verdade. 

Norton de Matos, Ministro da Guerra, “mobiliza gente, arranja oficiais, inventa sargentos e, numa aplicação de faculdades notáveis, ia ajuntando uma soma até então nunca vista de pessoal, material e animais”. Deram-lhe “como programa o envio de uma divisão; depois passou à realização da ideia de um corpo d’exército e se o deixassem alemães e portugueses, avançaria até à conceção de um exército”.

Os primeiros contingentes embarcam em navios ingleses em janeiro de 1917, depois de um pequeno grupo de 150 militares, que seguiu em fins de 1916 por comboio pela Espanha, vestido à civil. O futuro do CEP foi decidido nestas curtas semanas de fins de 1916.
O CEP, que tem a oposição de grande parte do corpo de oficiais, dependia da Grã-Bretanha em termos de financiamento, transporte, armamento, logística, treino, enquadramento, meios pesados, apoio aéreo, informações, comando, etc, é uma invenção dos "guerristas" que Londres só aceitou ao fim de muita resistência. 

Era a fórmula do desastre. Para o CEP o desastre chegou a 9 de abril, para os "guerristas" chegou antes com a revolução Sidonista.

Em 11 de novembro de 1918, é assinado o armistício entre os franceses, ingleses e alemães, assinalando o cessar-fogo na Frente Ocidental. As hostilidades continuaram em outras regiões depois de quatro anos de guerra que mobilizou mais de 70 milhões de militares e resultou em quase dez milhões de mortos e o dobro de deficientes militares.
Que as lições tenham sido aprendidas!

António Moreira Ferreira

Bibliografia:
Amaral, J. Ferreira (1922), A mentira da Flandres e … o medo. Lisboa: Editores J. Rodrigues & C.ª
Telo, António José (2014). “Um Enquadramento Global para uma Guerra Global”. Nação e Defesa n.º 139, pp. 8-34.

sábado, 11 de agosto de 2018

Dia do Concelho do Marco de Canaveses-Dia de Nossa Senhora do Castelinho

Poucos concelhos terão na sua origem uma história tão próxima da natureza humana, tão configuradora da ideia de segurança, de transcendência e bem-estar, como o Marco de Canaveses.

No dia 3 de janeiro de 1852 faleceu o sargento-mor das milícias do julgado de Bem-Viver, José Joaquim de Abreu e Lemos, fidalgo do solar de Carrapatelo. Era dia de feira no lugar do “Marco”, assim chamado pela pedra (marco) que aí limitava dois coutos que vieram a dar origem às freguesias de Fornos, S. Nicolau e Tuias. Por se situar numa planura e no limite das comarcas de Canaveses, Tuias e Soalhães era nesse espaço que se realizavam famosas feiras nos dias 3 e 15 de cada mês. Também foi nesse local que se levantou a Casa Municipal do Concelho de Soalhães e mais tarde, depois da fundação do Concelho do Marco o  edifício da sua Câmara Municipal. 


A morte do Fidalgo de Carrapatelo foi notícia na Feira que se realizava nesse dia. Um tal Vinagre, que fazia comércio de azeite e de outros géneros, estava com alguns problemas financeiros e sonhou logo com o “golpe”. Levou a nova ao José e ao António, morgadinhos de Canaveses (filhos de um fidalgo falido) que já haviam colaborado com o Zé do Telhado. Os três avaliaram as vantagens do assalto à casa do Fidalgo e os morgadinhos levaram a sugestão ao Zé do Telhado. Ficou combinado contratar gente de confiança que, no dia 7, se encontraria, à meia-noite, numa corte situada junto à capela de S. Braz, em Fandinhães, Paços de Gaiolo, para planear o assalto que se realizaria no dia seguinte. (foto da capela)

 
Acertadas as incumbências de cada um, no dia 8, ao princípio da noite, a quadrilha, que comportava cerca de 30 homens, capitaneada por Zé do Telhado, partiu para o roubo. Por volta das nove horas forçaram a porta da cozinha e penetraram no Solar. O Zé do Telhado obrigou D. Ana Vitória, filha do Fidalgo, a entregar-lhe todos os valores que seu pai lhe tinha deixado. Entretanto outros elementos da quadrilha iam roubando as peças
de ouro e prata que as senhoras que, nessa altura, estavam no Solar traziam. O pior, foi terem morto a tiro o criado João Carvalho que se opôs à entrada da quadrilha. Tudo isto criou uma tremenda insegurança e manchou a dignidade do povo desta terra. O Sr. Adriano da Picota, como era conhecido o deputado e administrador do Concelho de Soalhães, jurou que prenderia Zé do Telhado, estivesse onde estivesse. Solicitou ao Governador Civil do Porto, Visconde de Podentes, um alvará que lhe permitisse entrar nos concelhos vizinhos para prender o salteador e a sua gente, o que lhe foi concedido. Simultaneamente envolveu os seus primos António Nogueira Soares, Afonso Joaquim Nogueira Soares e Rodrigo Nogueira Soares, notáveis personalidades do movimento da Regeneração, na necessidade de criar um concelho que agregasse as comarcas vizinhas por forma a desenvencilhar as autoridades dos empecilhos burocráticos, que não permitiam à justiça de uma comarca entrar noutra, sem autorização do seu administrador.

 Pelo Decreto de 31 de Março de 1852, D. Maria II satisfaz a vontade de Adriano José de Carvalho e Mello e cria o Concelho do Marco de Canaveses. 
No artº 1º estabelecia: “São reunidos num só concelho, os concelhos de Soalhães e de Benviver”.  E no artº 2º dizia-se:  “O novo concelho passa a ser denominado Marco de Canaveses” e os seus habitantes marcoenses.



Adriano José de Carvalho e Mello era um devoto de Nossa Senhora da Natividade (protetora da maternidade e do aleitamento). A
 
Divindade terá aparecido num penedo do lugar conhecido por Castelinho onde se construiu, em tempos muito antigos, uma Ermida. Diz-se que no penedo ainda há marcas dos pés da Virgem, onde “não pega o musgo, nem a muinha”.

Um dos sonhos de Adriano José de Carvalho e Mello era transformar a Ermida num Santuário semelhante ao Bom Jesus de Braga (símbolo do sucesso da Restauração: libertação de Portugal do jugo espanhol), onde trabalhou, como como santeiro, um marcoense ilustre, Monteiro da Rocha, irmão de uma das personalidades mais famosas no sé. XVIII, o Padre José Monteiro da Rocha, astrónomo. lente na Universidade de Coimbra, natural de Canaveses. 

Já como administrador do Concelho  fundou, com esse sentido, a irmandade do Castelinho e procurou que a devoção à Nossa Senhora do Castelinho se tornasse num símbolo da proteção divina, da regeneração e do patriotismo. A cumprir essa intenção, ainda hoje os combatentes têm um encontro anual no Castelinho.
Faleceu, sem ver satisfeita a sua vontade de consagrar o Concelho do Marco de Canaveses a nossa Senhora do Castelinho.
As figuras do núcleo da União Nacional pretenderam tornar feriado municipal o dia 28 de Maio. Mas a política do governo tinha, como princípio,  fazer dessa data um feriado que representasse o espírito de corpo da nação e, por isso, tornou ilegal qualquer marcação de feriados concelhios nessa data.

No dia 22 de Setembro de 1949, o recém-nomeado presidente do Concelho, Dr. Cabral de Matos, dentro do espírito do Fundador do Concelho, faz aprovar em reunião da Câmara, a consagração do Marco de Canaveses a Nossa Senhora do Castelinho e é fixado o dia 8 de Setembro (dia da celebração religiosa), feriado municipal.
No dia 12 de Setembro de 1957, o ex-libris do Marco, o seu Jardim Municipal, recebeu, com pompa e circunstância, o busto do Fundador do Concelho, custeado por uma subscrição pública. Não era para ser aí colocado, mas em frente ao edifício da Câmara, como seria, por direito, o seu local próprio. Assim pensavam os marcoenses que defendiam que o Jardim Municipal, sendo pensado à imagem das “Cidades-jardim” (uma ideia romântica defensora do bem-estar e qualidade de vida) pelo presidente Dr. Cabral de Matos, notário no Concelho e natural de Mangualde, deveria honrar a sua memória, recebendo o seu nome. 
Nas contendas políticas da altura ganhou a fação contrária a esta ideia. O busto de Adriano José de Carvalho e Mello foi, em festa, colocado no Jardim Municipal e a inauguração da obra do Dr. Cabral de Matos foi sendo adiada, acabando por ficar esquecida até ao nosso tempo, talvez para não lembrar o seu obreiro. Mas o Jardim, mesmo sem ser inaugurado, foi incorporando diferentes inaugurações, afirmando-se como uma das melhores referências do Concelho.

JOÃO BAPTISTA MAGALHÃES