quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O Concelho de Tuias





Tuias parece ter recebido o nome do facto de ser um local onde era muito abundante a planta tuia (Thuya). Em tempos remotos dispunha de um mosteiro, muito apadrinhado pela beata Mafalda, filha de D. Sancho I. Foi extinto em 1535 por estar degradado e se ter construído um outro no Porto, com as mesmas atribuições.
Ao concelho de Tuias pertenceu Fornos, assim denominado pelos fornos que nesta freguesia existiam pertencentes a D. Mafalda que, em testamento, os deixou à Albergaria. Também lhe pertenciam as freguesias de Rio de Galinhas (por ter um ribeiro onde proliferavam essas aves) e Freixo ( que terá recebido o nome pela abundância nesse território dessas árvores da família das oliveiras). A importância desta freguesia, em tempos remotos, está bem patente no seu espólio arqueológico, nomeadamente na estação arqueológica do Freixo, Tongóbriga.
O Concelho de Tuias, bem como o de Canaveses e o de Soalhães, até 1770,  pertenciam administrativamente à comarca de Guimarães e, sob o ponto de vista eclesial, à diocese do Porto. Nessa altura, sofreu uma alteração administrativa profunda. E não foi pelas melhores razões! Governava Sebastião José de Carvalho e Mello, a quem D. José, mais vocacionado para touradas, jogos e galanteios, entregara os destinos da governação do reino. Mas, como dizia D. João V, “Sebastião José tinha pelos no coração”. Era, de facto um homem muito ambicioso que não olhava a meios para atingir os seus fins. Utilizou os conselhos dos seus “oráculos”,  como lhe chamou Camilo (in, Perfil do Marquês de Pombal”) e  logo se descartava deles para que só ele ficasse aos olhos de D. José como o protagonista das reformas feitas, nomeadamente a construção de uma nova Lisboa, depois do terramoto.
Os ditadores romanos e os que apareceram no séc. XX não ficavam mal ao seu lado na galeria dos homens abomináveis. A história não diz isso dele, mas não devemos esquecer que há sempre uma outra história, a história dos vencidos, das vítimas dos ditadores. E só para recordar, convém lembrar que o Marquês do Pombal perseguiu todos os que lhe pudessem fazer sombra junto do Rei. Isso aconteceu com os jesuítas, com todos os pensadores mais notáveis na altura e com a família dos Távora. Aproveitando o mal-estar que causava à família dos Távora a relação de D. José com Teresa de Távora, esposa de Luís Bernardo de Távora que estava na India, terá armadilhado uma intentona contra o Rei para acusar os Távora de regicida.
Sabe-se que D. José, no dia 3 de Setembro de 1758, já de noite, ao dirigir-se para uma das quintas que possuía em Belém, foi atingido num braço por um tiro de bacamarte. Logo, Sebastião José fez do caso um atentado à vida do Rei e culpou os Távora, levando-os  ao Tribunal da Inquisição que nessa altura já estava ao seu serviço. Foram rapidamente condenados à fogueira, como era vontade do Marquês. E, para aterrorizar a alta nobreza, fez da execução da pena um espectáculo público com requintes de barbárie:  “ataram o Duque de Aveiro e o Marquês de Távora às rodas de um mecanismo de tortura que, ainda vivos, lhes quebrou os ossos das pernas, braços e os do peito foram partidos a golpes de maça. Depois, foram os seus corpos queimados e as cinzas jogadas ao mar. D. Leonor foi decapitada à espada pelo carrasco, o qual, após expor a cabeça ao povo, queimou-a juntamente com o restante do corpo e lançou também as cinzas ao mar. O Marquês Luís Bernardo (que entretanto regressara da Índia), José Maria Távora e o Conde de Atouguia foram garrotados e só depois lhes foram quebrados os ossos das pernas e braços, sendo a seguir os seus corpos lançados na mesma fogueira que os predecessores. Pena igual aplicou-se aos criados Manuel Álvares e João Miguel, assim como ao cabo Brás Romeiro. Por sua vez, António Álvares e José Policarpo de Azevedo foram atados em postes altos e queimados vivos, tendo as suas cinzas o mesmo destino das dos outros réus. Além disso, todos foram condenados à desnaturalização, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e os seus bens totalmente confiscados” (in, Processo dos Távora). E, quando, no Porto, em 23 de Fevereiro de 1757, os taberneiros e pequenos agricultores fizeram repenicar os sinos da Sé e da Misericórdia para anunciarem a sua revolta contra o monopólio do vinho do Porto, esmagou o motim com a ocupação militar da cidade, mandou decapitar os revoltosos e acusou os Jesuítas e os Távora de serem os instigadores. E, ainda, criou um imposto só para os portuenses para serem eles a pagar os custos no esmagamento do motim. Há ainda mais casos, como o do infortunado Padre Malagrida que já com 70 anos foi levado ao cadafalso e publicamente decapitado. A crueldade impressionou o próprio Voltaire que viu nessa condenação “um excesso de ridículo e absurdo junto ao excesso de terror.”
Com um primeiro ministro de D. José com esta têmpera, naturalmente o bispo do Porto, por ser da família dos Távora, não podia estar em sossego. Teve de alterar o seu nome, passando a ser apenas D. António de Sousa. Mesmo assim, Sebastião José não descansou enquanto não desmembrou a diocese para lhe retirar prestígio e influência.  Elevou a vila de Arrifana de Sousa a cidade e denominou-a Penafiel. Terá ido buscar esta toponímia à lenda que considerava o castelo da Pena um exemplo de resistência aos mouros e de fidelidade aos naturais, ficando designada por Pennafidelis. Tornou a Cidade numa capital administrativa, para onde passaram os concelhos de Canaveses, Tuias e Soalhães e, com as influências que exerceu junto do papa Clemente XIV, fez dela uma diocese, para onde passaram os referidos concelhos. O bispo que foi nomeado para Penafiel nunca chegou a exercer funções, porque, entretanto deu-se a “viradeira” (nome que se dá à demissão do Marquês do Pombal por D. Maria I) e tudo regressou à fase anterior.

FREIXO
Sempre houve uma forte ligação entre Canaveses, Tuias e Soalhães. Nos finais do séc. XVIII, o capitão-mor de Canaveses, António de Vasconcelos Corte-Real tinha responsabilidades sobre Tuias e Soalhães. E o cirurgião José Soares de Vasconcelos, natural de Tuias, foi nomeado por D. Maria I médico do Hospital da Albergaria de Canaveses na mesma altura em que o fidalgo Joaquim Queirós Camanho e Vasconcellos, natural de Amarante, era nomeado administrador dessa Instituição. Aliás,  a tomada de posse foi de arromba. Toda a fidalguia dos arredores esteve presente, como Duarte Claudio Huet de Bacellar Soto Mayor, Luís de Atahíde Pimentel Castelo Branco, etc. E também apareceu um académico, natural de Canaveses, que foi, incontestavelmente, o maior vulto da Europa e do Mundo nessa época. Refiro-me ao lente de matemática e astronomia, director do observatório astronómico e, mais tarde, negociador, por parte da coroa, das condições de rendição de Napoleão, no Congresso de Viena, José Monteiro da Rocha. É uma personalidade muito importante, sobre a qual brevemente a Associação dos Amigos do Marco promoverá um debate.
O cargo de topo pertencia, nessa altura, ao de juiz ordinário, mas, por ocasião das invasões francesas, foi criado o cargo de Guarda da Pólvora que, pela sua responsabilidade, era considerado de uma importância semelhante.
Nos finais do séc. XVIII Tuias foi anexada a Soalhães e com a reforma liberal (1852) passou a fazer parte do Concelho do Marco de Canaveses. Hoje, pela reforma administrativa de 2013, ficou integrada na freguesia do Marco.
O Padre Torquato Peixoto de Azevedo tem considerações interessantes sobre este concelho que vale a pena ler e reflectir, como se evidencia em fac-simile.

João Baptista Magalhães