Casa de Aldegão
Tudo leva a crer que os mouros ou árabes fossem tardiamente
expulsos das terras da Folhada. Muita gente obrigada em tempos a fugir dos
castros ocupados pelos invasores demorou a regressar às suas terras. E depois,
terá acontecido o que sempre acontece nas guerras: incendiar para destruir, desde sementeiras a
casas, tudo o que pertencia ao inimigo, não só para que não encontrasse apoio
em novas investidas como também para apagar qualquer referência que lhe fosse
útil, a terra ficou incultivável e as vias de comunicação tornaram-se
impraticáveis. Não admira, por isso, que durante muito tempo Folhada fosse uma
terra isolada e as casas grandes que, por aqui existiram, fossem desaparecendo.
Apenas a casa de Aldegão, construída já no séc. XVIII, surge como único
exemplar de um solar.
Depois da reconquista, esta terra foi integrada num couto de
Dona Teresa e de seu filho, Afonso Henriques. No início do séc. XII, foi doada,
em “carta de couto”, aos Cónegos do Santo Sepulcro, uma ordem criada por
Godofredo de Bolhões, um nobre militar franco, da família de Afonso Henriques,
que liderou a primeira Cruzada da reconquista de Jerusalém. Teve os seus
cruzados no lugar do Burgo (pertencente a Várzea de Ovelha), que terá recebido
esse topónimo por serem seus residentes militares da Borgonha (os burgonhoens).
Dali partiam para as investidas aos mouros que ocupavam o antigo castelo
romano, que se situava junto à Ponte do Arco e, ainda hoje, é conhecido pelo
nome dos seus ocupantes, castelo dos mouros.
Nessa “carta” foi delimitado o território, atribuído o poder
de nele interditar a entrada a funcionários régios e ficou isento de manter um
exército ao dispor do rei. Apenas tinha a obrigação de contribuir com diminutas
pensões à instituição conventual.
O domínio das terras não só trazia riqueza, mas também
poder. Naturalmente, a procura desse domínio gerou desavenças entre os poderes
senhoriais, do clero e da nobreza, e entre estes e o rei. A Igreja reivindicava
os privilégios ligados ao seu poder
temporal e o rei que, nessa altura, queria concentrar o seu poder, insistia no
cumprimento da jurisdição régia que elaborava. Surgiram as inquirições (a
partir de D. Afonso II) e, a partir delas, o rei promove desamortizações (lei
que proibia os mosteiros e ordens religiosas de adquirirem bens fundiários,
visando diminuir o seu poder) e as
confirmações régias, que tinham como objectivo ratificar as concessões e
doações atribuídas.
Ponte do Arco sobre o Rio Ovelha
É neste contexto que as terras da Folhada passaram a ser de
Gonçalo Gil da Veiga, que viveu na quinta do Vinhal. Mais tarde, vendeu-a aos Souzas Chichorros,
mais propriamente a Fernando de Souza, descendente de Martim Afonso Chichorro,
filho bastardo de D. Afonso III e de Dona Alonso (ou Dulce) Rodrigues de Sá --
uma senhora, na concepção do tempo, muito linda, natural de Gestaço e abadessa
no Mosteiro de S. Cristóvão de Rio Tinto. Terá levado o rei a pensar, como a
lenda diz que Adão pensou:” Onde Ela estiver, lá haverá o paraíso”.
Os “Sousas”, entretanto, perderam influência nas cortes
(assembleia de nobres e alto clero que se realizou pela primeira vez com D.
Afonso II) pelos conflitos que travaram a propósito dos direitos senhoriais e
um deles, um tal D. Gonçalo Mendes, foi mesmo obrigado a exilar-se para escapar
à prisão e, possivelmente, à morte, como acabavam sempre estas contendas.
A posse das terras da Folhada foi, assim, transitando da
nobreza para o clero e deste para a nobreza, conforme as circunstâncias:
heranças, doações pias, confiscações, etc. D. João II, por exemplo, entregou-as
a D. Vasco Coutinho como recompensa pela denúncia que este fez da conspiração
que contra si estava preparada pelo duque de Viseu.
Em 22 de Novembro de 1513, D. Manuel I concedeu foral ao Concelho de Gouveia de Ribatâmega,
que tinha a sua sede no Covelo, Amarante, e S. João da Folhada, tal como
acontecera a Tabuado foi integrada nesse
concelho, passando a pertencer, sob o ponto de vista administrativo, à comarca
de Guimarães e, sob o ponto de vista eclesiástico, à diocese do Porto.
Só por volta de 1542, no censual da Mitra (mitra- diz
respeito ao que os cónegos colocam na cabeça e, por, antonomásia, significa o
conjunto de documentos por eles produzidos),
surge a designação “Sam Joham da Folhada”. Talvez o topónimo tenha a ver com a
quantidade de folhas que apareciam caídas nesta terra. Anteriormente, é citado
o nome Pousada.
A igreja paroquial, de início, situava-se junto à Ponte do
Arco, uma ponte que terá sido reconstruída sobre as ruinas da ponte romana que
aí existiria antes das invasões árabes, mantendo o mesmo estilo. Seria perto
daqui que se situaria o castelo romano (de que já falamos) que ocupado pelos
mouros ganhara a designação de castelo de mouros. Ali havia um povoado, confirmado
pelas sepulturas cavadas em rocha, junto do que deveria ser uma via romana
servida pela respectiva ponte. É pena que as silvas escondam este património,
que é sempre fonte de conhecimento da nossa história colectiva.
Igreja da Folhada ( Fachada)
Como sabemos, os templos foram sempre lugar não só de
recolhimento, mas também de encontros e afectos, desde tempos imemoriais. Quem
não se lembra dos convívios nos adros das igrejas? E é pena que, hoje, num
tempo marcado pelo individualismo e pela
falta de vínculos nas relações afectivas, se tenha perdido esse hábito. Também
era no adro da igreja, ao ar livre, geralmente junto a uma árvore frondosa, que
se reuniam as assembleias dirigidas por anciãos prestigiados, geralmente chefes
de família (patriarcas) ou, então, por aqueles que dispunham de poder económico
e prestígio angariado pela capacidade de defender os servos contra os que não
eram seus senhores directos. Discutiam-se os problemas morais, políticos e
sociais que precisavam de ser resolvidos. A força das decisões apoiava-se na
coesão da comunidade que, orientada por uma lógica de fidelidade ao que melhor
sabia gerir conflitos e persuadir, sabia ouvi-lo e respeitava o que fosse
aprovado nas assembleias. Só muito mais tarde é que estas assembleias passaram
a ser feitas em edifícios próprios.
O local da igreja obtinha, assim, uma carga simbólica muito
grande. Mudar de local teria de ter, para o inconsciente colectivo dos
paroquianos, uma justificação muito forte. Isto explica a lenda que, através
dos tempos, foi sendo construída, segundo a qual o sino da antiga igreja era
arguto e, durante as invasões árabes, fugia pela noite para o local onde os
paroquianos encontravam refúgio. Era aí,
no alto da freguesia, na pousada, que precisavam da igreja e o sino fez essa
sinalização.
Temos, assim, a razão do centro da Folhada ser levado para
meio das encostas da Serra da Aboboreira. É um lugar de pouso aprazível, quase
sempre soalheiro, onde o corpo sente o descanso e os olhos, voltados a poente,
desfrutam duma deslumbrante panorâmica, onde se incrustam povoações, como
Penafiel, Felgueiras, Marco de Canaveses e Amarante.
Nicho na Igreja da Folhada
Até ao século XIX, o pároco dispunha de um poder de
protecção e jurisdição das pessoas que viviam na sua área de influência, ou
seja, na paróquia. Nela havia irmandades e confrarias que, nessa altura,
estavam muito longe de se constituírem feiras de vaidades com preocupações de
distinção social. Essas irmandades e confrarias elegiam os seus juízes ou
oficiais que ajudavam o pároco na devoção ao oráculo da freguesia, na
administração dos bens que pertenciam ao património da Igreja, no diminuir o
sofrimento dos mais pobres e até no cuidar da manutenção de pontes e caminhos,
como um serviço aos viajantes e peregrinos, sobretudo os que iam para Santiago
de Compostela.
Nesta altura, a Freguesia transitou para a circunscrição
municipal de Soalhães que, pelos Decretos de 31 de Março e 28 de Dezembro de
1852 e 31 de Dezembro de 1853, foi extinto, bem como o de Benviver. Estas
autarquias passaram a ser freguesias e todas elas, inclusivamente S. João da
Folhada, passaram a integrar a comarca do Marco de Canaveses.
Presentemente, para questões
administrativas, S. João da Folhada está ligada à Freguesia de Várzea de
Ovelha.
Por já ser longo este post, em próximos falaremos da importância
dos ferreiros nesta freguesia, do milagroso Gonçalo Dias da Folhada e, ainda,
da aparição de Nossa Senhora a três pastorinhas em 1758 e das eventuais razões
que terão provocado o esquecimento deste facto.
João Baptista Magalhães
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