sexta-feira, 28 de abril de 2017

O tempo do Marquês do Pombal


O contexto da época (2)

Nossa Senhora da Lapa

Os factos e os acontecimentos não falam por si: recebem a interpretação que lhes damos. A História é sempre uma interpretação parcial de personagens e acontecimentos de uma época. A interpretação dominante é sempre a que mais agrada ao poder dominante. Como é evidente, não temos seguido essa: procuramos estar com os que mais sofrem e denunciar os factos e acontecimentos que a história dominante esconde.

No caso de Sebastião José de Carvalho e Mello, a imagem que ficou para a História não é de um indivíduo que andou na Universidade de Coimbra sem nunca conseguir passar num exame, não é a de um tirano que se aproveitava das ideias dos outros, dos seus oráculos, e, depois, descartava-se deles. E muito menos, a de um homem cruel que não olhava a meios par atingir os fins que interessavam às suas ambições.
O que ficou para a História de Sebastião José foi uma glorificação pintada com cores que nunca foram as suas: diz-se que foi um homem audaz, arrancou Lisboa das cinzas do terramoto de 1755, construiu rasgadas avenidas, reformou a Universidade, criou Vila Real de Santo António, introduziu o ensino público, acabou com a escravatura, fez frente aos ingleses com a Real Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Douro, criou a Companhia de Pesca do atum e outras pescarias no Algarve. Em suma, que foi um herói da modernidade.
Sempre houve quem estivesse interessado em pintar com cores garridas esta visão de Sebastião José e utilizá-la como bandeira do laicismo, do liberalismo e do anticlericalismo. Vêem na sua doutrina regalista a possibilidade de uma definitiva separação do poder religioso do civil, como aconteceu com os defensores do liberalismo e a própria maçonaria (à qual, dizem, ter pertencido Sebastião José).
Mas o lado negro da personalidade despótica do Marquês de Pombal pode ser escondido, contudo não pode ser apagado. Entre muitos dos que através de pseudónimos denunciaram, satirizaram e criticaram o Secretário de D. José no seu tempo, citemos Cavaleiro de Oliveira, nome por que era conhecido Francisco Xavier de Oliveira, e D. João de Almeida Portugal

Cavaleiro de Oliveira, no seu livro “Discours pathétique au sujet des calamites” (motivo pelo qual em 1761 foi relaxado, isto é, queimado em estátua num auto-de-fé) denunciou a deplorável situação moral do reino e sugeriu ter sido o Terramoto de 1755 um castigo divino. D. João de Almeida Portugal pôs a nu a arbitrariedade e o sofrimento dos presos das Prisões da Junqueira durante o ministério do Marquês de Pombal” ficaram esquecidos e os que sobreviveram só foram postos em liberdade depois da “viradeira”, assim designada a queda do Marquês depois da morte de D. José, em 1977.
Uma das figuras mais notável do iluminismo, naquele tempo, François Marie Arouet, (1694-1778), mais conhecido por Voltaire, também denunciou os exageros despóticos do Secretário de D. José. Já mais próximo do nosso tempo, Camilo Castelo Branco, no seu livro ”O perfil do Marquês do Pombal” considerou-o um homem cruel, um político medíocre, que utilizava as ideias dos outros sem os referir e que geriu os negócios do Estado como Calígula fez na Roma antiga.
A memória das vítimas do Marquês de Pombal (ou de outros tiranos) não pode ser esquecida: devemos-lhe a justiça que queremos para nós. Só porque os jesuítas dispunham de enorme influência junto da coroa, utilizou todos os meios para os descredibilizar e procedeu a um autêntico massacre cultural com a expulsão desta ordem religiosa do Reino, encerrando a sua extensa rede de colégios, destruindo as suas imponentes bibliotecas e queimando em hasta pública os seus livros. O vazio deixado pelos jesuítas na Universidade de Coimbra foi denunciado pelo autor do primeiro tratado de puericultura (Tratado da educação física dos meninos, para uso da nação portuguesa), Francisco Melo Franco. Este médico, em 1772, escreveu um poema com um elucidativo título: “O reino da estupidez”. Nos quatro cantos do poema refere o espírito mesquinho e ignorante do Marquês e satiriza os que servilmente redopiavam à sua volta. Contrariando o espirito iluminista que muitos apregoam de Pombal, refere que a expulsão de muitos professores da Universidade de Coimbra foi justificada com a acusação de serem hereges, naturalistas, enciclopedistas. E, dando testemunho da sua passagem por Coimbra, diz: “O ensino universitário não seguia o luminoso caminho de que se gabava o Marquês de Pombal: vinha-se a Coimbra para aprender a jogar nos botequins o sete-é-ponto e outros jogos da época, e ao cabo de alguns anos regressava-se à terra natal com a carta de bacharel que ficava guardada na arca.”


Poucos põem em questão o atentado contra D. José que, pela forma como foi descrita, sempre levou os mais atentos a suspeitar tratar-se de uma armadilha montada pelo Marquês para conquistar a cega confiança do Rei e justificar as perseguições cruéis que moveu à alta nobreza e aos jesuítas. E, quando referem o espírito empreendedor do Marquês não referem que transformar as empresas comerciais em companhias era prática frequente no seu tempo. Copiou essa forma de governar para criar monopólios que muito o favoreceram, arruinando agricultores e pequenos comerciantes de vinho.

E o que terá a ver com o liberalismo atribuído a Sebastião José, quando subscreve a ideia de que “a intervenção do comerciante no conhecimento dos negócios públicos seria incompatível com o espírito da monarquia”?

Já quase ninguém se lembra que o Marquês de Pombal, por alvará de 30 de Maio de 1769 deu à Inquisição o carácter de Tribunal Régio e transformou-a no seu braço polícial para perseguir, intimidar e condenar à pena do fogo quem supusesse que lhe poderia fazer frente. Assim aconteceu com os jesuítas, a família dos Távoras, os Taberneiros do Porto, etc.

Em 03 Setembro de 1758, terá armadilhado uma intentona contra o Rei para acusar os Távora e os jesuítas de responsáveis por essa “conspiração”. Sabe-se que D. José, nesse dia, regressava, já de noite, de um encontro com Teresa Leonor, mulher de Luís Bernardo, herdeiro da família dos Távoras, que, ajudava na Índia o seu Pai nas tarefas da governação. Teresa de si própria terá dito: onde seu pai era governador. Teresa que de si própria terá dito: “fui amante de Sua Majestade D. José I de Portugal e dos Algarves. E sou mulher que cultivou perigosamente a beleza e fui de uma volúpia cegante”.

Logo, em 13 de Dezembro, manda prender os Távora e pouco depois, como cúmplices do atentado, os Jesuítas. Confiscou a estes os seus bens, obrigou todos os prelados a avisarem nas igrejas que os seus fiéis deveriam prevenir-se contra erros ímpios e sediosos desta Ordem. E isso foi lido pelo abade da Folhada. Um ano depois, em 03 de Setembro de 1759, conseguiu que o Rei publicasse o decreto, onde faz a seguinte acusação: “Declaro os sobreditos regulares [os Jesuítas] (…) rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a minha real pessoa e Estado, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos (…) mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios”. E sentencia que sejam “desnaturalizados, proscritos e exterminados em Portugal e nas colónias.”( In: Processo dos Távora).

Um mês depois, no dia 13 de Janeiro de 1759, depois de se ter verificado o eclipse da lua e de abrandar a intensa e gelada chuva que caiu no início da madrugada, à luz de archotes começou a ser erguido um alto cadafalso, no Cais de Belém, onde iria decorrer o espectáculo hediondo e de crueldade sádica.

Era preciso que a multidão visse bem o que iria acontecer no cadafalso para ficar claro como seria terrível a vingança do Marquês contra quem se suspeitasse de fazer coisas semelhantes às dos que iam ser executados. A curiosidade era muita: há mais de um mês que os principais fidalgos do reino estavam presos e isso enchera o País de notícia. De antemão já se imaginava que o desfecho seria a execução num espectáculo inédito e sórdido de horror. Era preciso que esse sofrimento hediondo ficasse gravado na memória do povo para criar um medo medonho de causar fúria ao marquês de Pombal.

Por volta das 07horas, de todos os bairros chegaram, em cortejo, os magistrados e as autoridades policiais encarregues de fazer cumprir a vingança. Lida a sentença, o condenado, preso por argolas de ferro, esperava a sua vez para subir ao primeiro degrau do patíbulo do cadafalso, aí ajoelhava-se aos pés do frade dominicano, confessava-se, recebia a absolvição e subia os restantes degraus até chegar ao cadafalso. Aqui, o carrasco agarrava-o e obrigava-o a dar uma volta em redor do palanque do cadafalso para que a multidão visse bem de quem se tratava. Depois, era-lhe dado a conhecer, em voz alta, para que toda a gente ouvisse, os tormentos que iria padecer.

Passava-se, finalmente, aos requintes de malvadez: “Ataram o Duque de Aveiro e o Marquês de Távora às rodas de um mecanismo de tortura que, ainda vivos, lhes quebrou os ossos das pernas, braços e os do peito foram partidos a golpes de maça. Depois, foram os seus corpos queimados e as cinzas jogadas ao mar. D. Leonor foi decapitada à espada pelo carrasco, o qual após expor a cabeça ao povo queimou-a juntamente com o restante do corpo e lançou também as cinzas ao mar. O Marquês Luís Bernardo, José Maria Távora e o Conde de Atouguia foram garrotados e só depois lhes foram quebrados os ossos das pernas e braços, sendo a seguir os seus corpos lançados na mesma fogueira que os predecessores. Pena igual aplicou-se aos criados Manuel Álvares e João Miguel, assim como ao cabo Brás Romeiro. Por sua vez, António Álvares e José Policarpo de Azevedo foram atados em postes altos e queimados vivos, tendo as suas cinzas o mesmo destino das dos outros réus. Além disso, todos foram condenados à desnaturalização, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e os seus bens totalmente confiscados” (in: Processo dos Távora).

É possível que por S. João da Folhada, ajudado por um dos padres da Quinta do Burgo, José Policarpo de Azevedo, condenado à morte pela fogueira, depois de ser um dos acusados de tentar matar o Rei. O foragido já levaria a cara queimada com vitríolo para não ser reconhecido e tinha como destino Padrões da Teixeira, onde construiu uma pequena estalagem que recebia os recoveiros que se dirigiam para Vila Real ou para a Régua. E isso, muito em segredo, como quem se confessa na igreja constaria entre alguns folhadenses.
À fúria persecutória do Marquês não escapou o velho padre Jesuíta Gabriel Malagrida, conhecido por ter sido incansável no auxílio aos sobreviventes do Terramoto. Partilhando a ideia de que o mundo, sendo obra de Deus, estava bem organizado e só Deus decidiria o que acontecia na sua obra, o Jesuíta de origem italiana, não se ficou numa análise meramente retórica, como foi a do Abade Paulino Cabral, que vivia bem perto da Folhada, na freguesia de Jazente (“que medonho Espetáculo! Lisboa/ No horror de um terramoto agonizando …”) e no seu opúsculo «Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto que padeceu a Corte de Lisboa no 1º de Novembro de 1755» considerou que a catástrofe era um castigo divino pelos desmandos humanos.
Depois de obter todas as autorizações exigidas, (e sem esperar retaliações) enviou cordialmente ao Marquês e a D. José esse opúsculo, onde lamentava a decadência em que se encontrava “uma corte tão rica, tão bela, tão florescente, debaixo de um rei pio e fidelíssimo” e manifestava a esperança que o castigo do terramoto levasse ao caminho da prece, oração e penitência. Mas isso caiu mal a Sebastião José de Carvalho e Melo que, depois de o ter tido encarcerado durante três anos, fez com que, em 21 de Setembro de 1761, já com 70 anos, fosse levado ao cadafalso e publicamente decapitado. A crueldade impressionou o próprio Voltaire que na obra “Cândido” escrevia: “(...) ao excesso de absurdo, juntou-se o excesso de horror".

Não poupava ao seu despotismo todos os que o contrariassem. A fim de reforçar a presença portuguesa em frente de Ayamonte, criou, em 1776, a Cidade de Vila Real de Santo António, com um traçado semelhante ao da baixa de Lisboa, e dotou-a da alfândega, que existia em Castro Marim e de uma lota, que foi institucionalizada como Real Pescaria do Algarve. Como os cerca de cinco mil pescadores de Monte Gordo se recusassem a se deslocarem para aquela cidade, mandou incendiar as suas casas, que levou muitos deles a passarem-se para Espanha onde enriqueceram a indústria de pesca dos espanhóis. Mas pior do que este incêndio, foi o da Trafaria, uma pequena aldeia na margem sul do Tejo. No ano seguinte, ordenou ao intendente da polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, que chamasse trezentos homens para o ajudar e, na madrugada de 24 de Janeiro de 1777, cercasse a aldeia da Trafaria e deitasse fogo às casas, quase todas de madeira e colmo, só porque os seus habitantes não denunciaram cerca de cem mancebos que nela se esconderam para fugir à Guerra dos Sete Anos. Os desgraçados, todos eles a viverem em grande pobreza, bem tentaram fugir por entre as chamas nus e levando às costas ou sobraçados velhos e crianças, mas foram impedidos pelo cordão de tropa.


O medo que Sebastião José suscitava espalhava-se por todo o lado, secando no povo a boca de pavor, gerando um ambiente social de temor e profunda depressão.

É neste contexto que no dia 13 de Maio de 1757, Nossa Senhora terá aparecido a três pastorinhas de S. João da Folhada para combater o crescente delírio da gente amedrontada.
O testemunho desta visão é um facto incontroverso, conforme manuscrito encontrado na Torre do Tombo.

Desse manuscrito daremos conta no próximo capítulo.
29 de Abril 2017
João Baptista Magalhães

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